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Âmbar - Texto de Cesar Kiraly para a individual de Felipe Fernandes



1. No penúltimo dia, ela deixara sobre a mesa um calhamaço todo escrito. O motivo de terem passado aqueles dias juntos não era evidente. É certo que ele foi até ela. Poderia se aventar um envolvimento romântico, por que não (?) , ela mais velha um pouco, e ele ainda um rapaz. A razão não era muito importante. Eles se olharam nos olhos, estiveram apreensivos antes das primeiras frases trocadas. Ela lhe preparou um daqueles cafés de máquina, o mais amargo possível, que ele tomou sem açúcar. Eles conversaram por horas. A respiração dela que parecia frágil, tendo que se recuperar de tanto em tanto, adquiriu resistência, modulação e ânimo. Se reconheceram pela meticulosidade dos gestos e por isso custaram a se despedir. Se poderia pedir algo à escritora, não o fez. O abandono, diante dele, do calhamaço, à cuja caligrafia rapidamente se adaptou, é que soava como um pedido. No tempo de ir embora, reuniu os papéis e se foi.

2. Ele a conheceu por suas palavras e imagens. A sobreposição de cores metálicas de seus poemas sempre o emocionara. Além do que a ninguém era dado mostrar tão bem a ruína do mundo de ontem terminando em resíduos de ferrugem / vergalhões à mostra / capacetes de obra abandonados / escadas para lugar nenhum / . Aquelas páginas repletas de arabescos em caneta azul eram tomadas completamente de linhas em prosa e mais prosa. As narrativas que ele encontrou não eram de alegorias. Havia uma curiosa equação trevosa entre fantasia, breviário dos acontecimentos do dia e a mesma lírica resistente, antes sentida nos versos repletos de branco no entorno. O tom sugeria a leitura para crianças. Isso porque as situações eram simples, de traquinagens literais, pendentes ao delírio de entorpecimento, de satisfação imaginativa. Apesar disso, teve medo, porque entre gansos, girassóis e margaridas, a morte e a crueldade eram presenças, como sentidos, personagens ou paisagens e não dissimulavam a dor que eram capazes de provocar. A reação foi estar sempre com uma folha daqueles manuscritos, dobrada em quatro pedaços, e se comportar como tendo uma missão, retribuir ao que não era bem um presente, como faria um selvagem diante da dádiva, de modo que pudesse confundir a sua alma com tais preciosos artefatos de celulose e tinta.

3. Não havia finalidade nas histórias que dobrava e colocava no bolso. Nada de surpreendente no desaparecimento por decurso de tempo. O mais curioso é que o tempo, no que ela escrevia, era feito de instantes, tão próximos, que todos os acontecimentos pareciam contínuos, por mais que pudessem levar para uma mesma direção. A partida do vovô, de um gatinho etc. O esgotamento poderia ser irreversível mas outros acidentes surgiriam. Assim não tomou decisões. Não é que tenha decidido não tomar. Elas deixaram de fazer sentido. Daí não haveria porque tomá-las. O dom a ser revertido em resposta às laudas deixadas diante de si não teria a verve de uma despedida, nem de convencimento. A medida tomada seria a de redobrar a flutuação atenta para não deixar a cumplicidade, entre meio e gesto, escapar.

4. Ele morava no último andar de uma fábrica abandonada. Apenas um banheiro coletivo no final do corredor. O seu império era um quarto, grande para um quarto, pequeno para um império. As imensas janelas permitiam avistar o mundo inteiro. Por isso a elas precisava amarrar lençóis. No mais, eram os seus livros borrados de tinta, na parte em que se vira as páginas, e as suas pinturas maiores apoiadas às paredes. A sua rotina precisa apenas disso e da companhia daqueles escritos. Se era guiado por uma grande torre, ornada por relógios quebrados, ainda faltava um ponto de referência, um meridiano, para que o senso de direção se tornasse cúmplice do que estava empreendendo. Até então eram as telas grandes que o ajudavam. Antes mais escuras, representantes da fluência com que sentimentos duros se materializavam para além dele mesmo, depois mais claras, como se parte daquilo tudo estivesse amadurecendo entre sombras tendentes à tempestade.

5. À escolha entre o trabalho mais melancólico do mundo e se acostumar, a não simplesmente se mover para encontrar a combinação de que precisa, sentiu que não havia necessidade de decidir, e que estaria na ilha do ataque mais calmo e da surpresa movida pelo deslocamento. Aquelas pequenas telas com as quais havia sido presenteado / insuficientes para qualquer coisa / e o fechamento do armarinho da esquina / e mais os dinheiros escondidos no seu bolso com os quais arrematara um sem número de superfícies para treino de pintura / seriam a pergunta à resposta presente nos escritos dos quais se tornara leitor único. O dom, indiscernível, nesse momento, de seus próprios passos, ao qual se abandonava, apareceria naquelas estruturas variadas de madeira e pano.

6. Ele o fizera sem saber a direção. Apenas um ou outro ponto de referência. Porventura uma cruz em cima do morro mais alto, como no Guignard falso tomado como de estimação. Ao meridiano não resistiria. Um para cada dia do mês / mesmo que demorasse tanto / durasse o que durasse. As telas chamariam pelo acréscimo de camadas de cola, a oferecer brilho local e imprevisto, e de vilosidades de fita crepe, no que se entenderia como uma atmosfera a clamar por cúmplices. A gravidade atrairia pétalas de papel de seda e formas circulares completadas por caneta hidrocor, que umidificadas pela tinta mudariam de tom, além de acrescentarem relevo à acrílica. Sob lógica idêntica, adeririam retalhos de casas, bananas e papel de jornal a se perderem no complemento da colagem à pintura, sem desafio da primazia.

7. A composição estabelecia, por vezes, um matiz mais forte a funcionar de moldura delimitadora do âmbito dos acontecimentos. Há um clima alegre como nas colagens do Matisse. Todavia mais fiel à rugosidade da vida de perto. É isso, não recusa a amizade entre Valéry e Matisse. Aquele na rotina do viver, que se lê no Alfabeto, seguidor das letras, como se fossem dias, e esse, na admissão do submundo leve e festivo. A sofisticada estratégia da série estaria em preparar os elementos da ação, sem uma entrega reconhecível. Um quase palco para uma quase platéia. Uma quase iluminação para um quase afluente. Uma quase flor para um quase luto. O mérito se realizaria em sustentar o eterno reconhecimento de rostos nas nuvens. Sem oferecer a realidade de qualquer cena. A beleza seria a de sugerir a chegada de um drama sempre ausente.

8. Ele sentiu nunca ter completado o pretendido a ponto de poder se livrar do plano. Ela / por sua vez / fora tragada pelos dias, como acontece a todos. Até então atendera que terminaria a tempo de retornar o presente. Restou apenas a certeza de que nutrira naquelas pinturas a paciência como uma espécie de âmbar. Ainda mais do que uma jóia ou do que uma gema. Se não resistente a tudo, pelo menos um fóssil do que fora uma importante linha imaginária, um ardil útil para encontrar o caminho de casa.

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Cesar Kiraly é curador do Ibeu. Ensina Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da UFF.

Âmbar - Felipe Fernandes




ÂMBAR - Felipe Fernandes
Artista aprovado através do Edital de Exposições Ibeu 2018

Curadoria: Cesar Kiraly
Inauguração: 8 de maio, às 18h30


Nesta sua individual à Galeria Ibeu, Felipe Fernandes apresenta 30 quadros em que desloca a sua pesquisa aos pequenos formatos. São telas diminutas obtidas em saldo de armarinho ou como presentes em que o artista prepara abstratamente cenas que não chegam a acontecer, pelo menos nunca como ação evidente. Ele privilegia um clima alegre como nas colagens de Matisse, mas prevê momentos de boicote ao submundo, completamente, leve e festivo. Para obter tal efeito desenvolve diversas formas de moldura às abstrações. A pintura que desenvolve é fusionada à delicadas pétalas de papel, pedaços de fita crepe e imprevistas camadas de cola conferidoras de brilho à tinta. O drama das quase figuras começa e é interrompido antes de iniciar a narrativa.


Fala do artista sobre a exposição:

"Para essa exposição fiz um recorte da minha produção mais recente, que começou no inicio desse ano. Em telas pequenas, por volta de 15x20cm, usei materiais baratos e que estavam a mão, ampliando meu repertório, mas limitando o formato. Um exercício que me propus a partir da ideia de ilustrar um livro infantil que minha mulher escreveu. Observando outros livros desse universo para pesquisar e usar como referência, comecei a observar um uso frequente de técnicas caseiras/artesanais na produção das imagens, como o uso de recortes, canetas hidrocor, métodos de impressão rudimentares e também, em muitos casos, ilustrações inteiramente digitais, mas que simulavam essa construção de imagem mais artesanal.

A maior parte dos materiais usados, desde a própria pequena tela já armada no chassi, são derivados de seções de pintura e artesanato de papelarias, como cola branca, papéis coloridos, canetas, tinta de artesanato, tinta acrílica, fitas adesivas etc, além de materiais que já possuía em casa, como revistas antigas e papeis envelhecidos.

Por serem materiais baratos, me permitiram um alto grau de experimentalismo. Outro dado que me agrada no uso desses materiais é que eles são bastante simples, de fácil acesso a qualquer pessoa e que me remete a uma relação sincera que sempre mantive com esses produtos encontrados em qualquer papelaria. 

Mesmo trabalhando em formatos bem reduzidos, depositei muita atenção em cada tela, chegando a um grau de complexidade grande em cada uma delas. Digo isso porque em desenho e pintura, esses pequenos formatos são comumente associados a trabalhos feitos em série, como gravuras, ou estudos e desenhos rápidos. Fiz no total 30 telas em que ia trabalhando em grupos de 10 simultaneamente. Um processo parecido com o que usei em minhas últimas telas maiores, mas ainda mais dinâmico. As intervenções em cada tela eram feitas de forma bem rápida, se assemelhando mais a um processo de colagem do que o que vinha trabalhando nas últimas pinturas feitas estritamente com tinta acrílica. Notei que passei a "depositar" imagens ao invés de construí-las.

Curiosamente desenvolvi esses trabalhos após finalmente sair de um pequeno atelier para um bem maior na fábrica Bhering, após ser comtemplado com uma residência artística de um ano lá."


Sobre o artista: Com formação em Desenho Industrial pela PUC-Rio, iniciou sua investigação em pintura no Parque Lage com João Magalhães. Desde 2008 desenvolve em seu atelier um trabalho que busca a harmonia entre o gráfico e o pictórico, valorizando a espontaneidade e a livre associação em seu processo criativo. 

Já participou de exposições em galerias como A Gentil Carioca (RJ) e Oscar Cruz (SP), além dos salões de arte Novíssimos, na Galeria de Arte IBEU (RJ) e o 37º Salão de Arte Contemporânea de Santo André (SP). Possui duas obras no acervo de Gilberto Chateaubriand e atualmente trabalha também como assistente do artista plástico Luiz Zerbini.

Em 2015 fez sua primeira exposição individual intitulada "Primário" na galeria MUV, no Rio de Janeiro, e no ano passado apresentou a exposição "Barulho" na galeria DotArt em Belo Horizonte. 


ÂMBAR - Felipe Fernandes 
Inauguração: 8 de maio, às 18h30
Visitação: de segunda-feira a quinta, das 13h às 19; sextas, de 12h às 18h 

Galeria de Arte Ibeu - Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico
 

Edital NOVÍSSIMOS 2018



INSCRIÇÕES ENCERRADAS


O Instituto Brasil Estados Unidos - Ibeu, através de seu Centro Cultural, torna público o edital de seleção para a 47ª edição do Salão de Artes Visuais NOVÍSSIMOS, destinado a artistas de todo o território nacional, tendo como proposta reconhecer e estimular a produção de novos artistas, e com isso apresentar um recorte do que vem sendo produzido no campo da arte contemporânea brasileira, em suas variadas vertentes.

As inscrições são gratuitas e abertas a artistas brasileiros e estrangeiros, legalmente residentes no Brasil há pelo menos 2 (dois) anos, e acontecerão no período de 9 de abril a 6 de maio de 2018.

Acesse o edital e a ficha de inscrição em nossos links do Google Drive:

LINK EDITAL:
Arquivo em pdf disponível para leitura/download/impressão. Não é necessário encaminhar o arquivo do Edital com a sua inscrição.
https://drive.google.com/file/d/1QQgSNAyfgJI985I10I5nJLYHvMBK9eYn/view?usp=sharing


LINK FICHA DE INSCRIÇÃO:
Baixe o arquivo no link abaixo, preencha com os seus dados e envie juntamente com as informações solicitadas no Edital. Não é necessário manter fontes ou formatação da ficha de inscrição. Preencha como achar necessário.

Caso não consiga baixar os arquivos acima, entre em contato pelo novissimos2018@gmail.com que enviaremos o edital e a ficha de inscrição para o seu email.

Boa sorte!

A Partir do Espelho - Texto de Cesar Kiraly para a individual de Jozias Benedicto


1. As últimas iniciativas do Jozias Benedicto são profundamente marcadas pelo serialismo automático. Ele se propõe curiosa disciplina de criação seguindo regras explícitas. Apesar de colorida e solar, há algo de monacal na rotina escolhida. Nas performances, faz cercar o acaso com princípios extraídos da história da arte ou da literatura, para então se permitir associar com os termos da referência. Não se trata de se desfazer das inibições para a expressão inconsciente, porém de variar, sob olhos, nas regiões da interioridade estabelecidas pelo convênio com outras obras de arte.

2. Nesta individual, Jozias escolhe duas referências como âmbito dentro do qual a sua escrita espontânea precisa funcionar. A primeira é o On The Road do Jack Kerouac e a segunda é o Através do Espelho e o que Alice lá Encontrou do Lewis Carroll. A proposta demanda preparação, o artista, como um atleta da apnéia, habita o primeiro livro, sob múltiplos tempos de leitura. A feitura acontece numa performance, em que escreve tudo o que lhe ocorre sob evocação do texto. A dinâmica dura mais ou menos duas horas. A escrita acontece com tinta escura sobre telas claras preparadas. O resultado conta com relevos leves, do acréscimo diretamente do tubo, e as pequenas telas são distribuídas em linha a envolver a galeria de ponta à ponta. As excedentes crescem em colunas a duplicarem as interrupções do espaço expositivo.

3. A galeria inicia vazia. Jozias trabalha em um dos cantos numa mesa de escritório. Um assistente retira as telas prontas, escritas, e as coloca na parede sequencialmente. A ele também cabe a função de alimentar a atividade de materiais. No canto oposto há um cavalete musical. A sonoridade emitida ricocheteia nas paredes e imediatamente cria atmosfera feita de inversões da voz do Kerouac e de temas musicais que compõe a vida interna do artista. Conforme persiste, os restos dos tubos se acumulam. Nos outros dias, um televisor ocupará o lugar do performance, repetindo os registros.

4. A memória do Jozias funciona como um arquivo, no sentido mais arcaico possível. Assisti-lo é imaginar a dinâmica associativa da qual temos apenas o acabamento. Porque é importante saber que a experiência é feita dos muitos momentos em que ele leu a obra e dos que ouviu sobre ela, da aura da beat, além das composições não declaradas. Apesar de todas as indicações conceituais, há muito que não é contado, do que se perde, até mesmo, nos depósitos afetivos de quem escreve. On The Road é uma etiqueta. Mas é sobretudo um mergulho na oxidação da alma.

5. A escrita imergida em Jozias / mergulhado em On The Road, com todas as implicações que, intencionalmente, restam misteriosas, é toda feita de trás para frente. A circulação com um espelho, por assim dizer, colocaria as letras nos seus devidos lugares. O defensivo é remeter à Alice. Mas é também uma forma de tornar a narrativa do Kerouac menos masculina. A galeria se torna a província da inversão. Os avisos podem ser lidos desde o lado de fora, uma vez que Jozias escreve como reflexo nas paredes vistas por quem chega. Na verdade, a relação com a escrita do avesso é mais como um’A Caça ao Snark. Isso porque, pequeno, era uma forma de se trancar dentro de si / menos para não poder ser decifrado / Não foi o caso de inventar códigos, e mais de vivenciar a reversão intrínseca à vida comum, ganhar algum tempo. Há saídas, de todos os lados, para se inverter o habitual / Em que aquilo que já se viveu se amalgama com as obsessões, no caso de se ter alguma. Jozias esqueceu que caçava. Até redescobrir a prática, toda completa, sem nem ao menos praticar. Se o Snark no Carroll não é bem alguma coisa, mas algo que se busca, tão pouco caçar seria evidente.

6. On The Road é um livro um tanto automático. Os acontecimentos se sucedem sem que os agentes negociem como os seus motivos. Aqueles que tergiversam são os mais laterais, como Carlo Marx e as mulheres. O estilhaçamento interno dos homens só pode ser vivenciado em atividade, na estrada. As dores são administradas pelo esvaziamento subjetivo. Eles não caçam o Snark, Carroll suspeitaria. Os momentos importantes acontecem quando seduzidos por algo além de si mesmos como uma morbidade, a necessidade de descrever como toca um músico de Jazz ou os movimentos de um carro em fuga. Por essa razão é que partir do espelho é tão importante. Ele estabelece a passagem do automatismo irreflexivo por aquele mediado por razões. A letra à máquina do Kerouac é capturada pela assêmica impura do Jozias. Não é preciso que algo tenha se passado ou o motivo reconhecido. Há algo anômalo que pode ser entendido, ainda que dependente de um espelho quebrado.


Cesar Kiraly / curador da Galeria Ibeu / professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da UFF

Na estrada através do espelho - Jozias Benedicto



Na estrada através do espelho - Jozias Benedicto
Curadoria: Cesar Kiraly
Abertura: 04/04/18 às 18:30h 


O clássico “On the road”, de Jack Kerouac, é a inspiração da exposição “Na estrada através do espelho”, do artista Jozias Benedicto, que será inaugurada na Galeria de Arte Ibeu, com curadoria de Cesar Kiraly. Misturando artes visuais e literatura, a individual será composta por uma performance com o próprio artista ligada a uma série de pinturas na qual Benedicto tem trabalhado nos últimos dois anos. A performance dará origem a uma videoinstalação sonora site-specific que ficará em exibição na galeria.

Durante a ação, Jozias Benedicto utilizará textos próprios e apropriados, escritos e pintados com tinta saída direto dos tubos sobre telas e outros suportes característicos de pintura. As escritas são invertidas, espelhadas, fazendo com que as palavras se transformem em sinais gráficos de difícil compreensão de sentido por parte dos espectadores.

“A partir de palavras escritas sem predeterminação e palavras escritas invertidas, tomei como norte para a performance site-specific um livro chave da literatura americana, o “On the road”, do escritor Jack Kerouac, escrito de forma contínua, como uma escrita automática. A obra trouxe uma inversão dos conceitos, como se tudo escrito após ele, e dos outros autores da sua da chamada ‘Geração Beat’, passasse a ser lido ‘ao contrário’ da escrita convencional da literatura que os antecedeu”, analisa o artista.

Na abertura da exposição, todas as 200 telas serão geradas por Benedicto, em uma ação ininterrupta, na qual ele estará distante dos espectadores, isolado como um escritor beat. Tendo como base o rolo de telex no qual Jack Kerouac registrou o livro – que mede 36m x 22cm e está exposto em Paris –, o artista irá refazer o percurso do escritor, não em um rolo de papel e sim em um suporte tradicional de pintura. As telas terão 12x18cm em seus chassis, pinturas da série “Através do espelho”, e que, colocadas em linha, chegam ao comprimento do manuscrito original de “On the road”.

Estas pequenas telas serão afixadas à medida que serão pintadas, em uma linha horizontal que eventualmente se bifurca, como uma estrada. Ao fundo, de um cavalete de pintura transformado em uma “máquina sonora”, ouve-se a voz de Kerouac, distorcida, invertida, com a velocidade alterada, contraposta a outras vozes e outros temas da vida do artista.

“A ação é ininterrupta e extenuante. Atividade mental e muscular. Escrevo e pinto incessantemente sobre as telas, sempre da direita para a esquerda, palavras que vem a minha mente, em escrita automática, a partir de minhas leituras prévias do ‘On the road’”, completa Jozias Benedicto.

Com esta exposição, o artista irá inaugurar um novo espaço expositivo na Galeria do Ibeu, ocupando as vitrines na parte externa do local. Serão feitas duas pinturas diretamente sobre a parede, dialogando com a temática da exposição, representando textos do livro “Alice no País do Espelho”, escritos normalmente da esquerda para a direita e espelhados da direita para a esquerda.

Segundo o curador Cesar Kiraly, “sob efeitos da leitura do ‘On The Road’, do Jack Kerouac, Jozias Benedicto realiza performance em que escreve frases de trás para frente em pequenas telas. A escrita é predominantemente de cor escura e o fundo sobretudo claro. Os suportes são colocados em linha que envolve todas as paredes da galeria. A atmosfera é completada por um cavalete sonoro”.


Na estrada através do espelho - Jozias Benedicto
Visitação: de segunda-feira a quinta, das 13h às 19; sextas, de 12h às 18h 
Galeria de Arte Ibeu - Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico