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Texto de Jonatas Tosta para a exposição MARAVILHAS DO BRASIL

A cada toque na superfície em branco, os Artistas Pintores com a Boca e os Pés compõem seu manifesto sobre a magnitude da vida; sobretudo, por atestarem que a vida se dilata para além da materialidade do corpo. A beleza íntima, corporificada na ponta do pincel, concebe cor e forma ao vazio da tela, oferecendo-nos o testemunho de que reside neles a inescapável liberdade.


Adentrando o silêncio da galeria, observamos a constelação composta por 30 quadros. Entre um e outro piscar de olhos, pomo-nos em lugar do artista. Sem o domínio dos membros superiores, atentamos à boca.  A obra diante de nós não foi criada pela precisão dos dedos, mas brotou dos lábios, dum longo e delicado beijo, através do qual a ponta das cerdas nutriu os veios de um rio, desaguando no mar de cores. E as longas ondas não foram conduzidas por ventos, mas pelos músculos do maxilar. De entre os dedos do pé, nasceram o céu e as estrelas, e o sol se escondeu outra vez, dobrando as montanhas à altura da noite.


Vemos as luzes da cidade crescerem sobre o reflexo na lagoa. Em festa sorrimos, venerando a majestade do bumba meu boi. Da boca aberta foge um pássaro de bico vermelho. Pousa num galho viçoso e nos observa; enquanto, ao fundo, o sino da igreja toca o meio-dia. Conseguinte, as araras namoram abraçadas debaixo da mesma pluma azul.


Os coqueiros não se dobram sob o peso dos homens, que finalmente alcançam o fruto fresco.  Desviamos a atenção para o lado, de onde vem som da sineta do bonde, e por onde os trilhos de Santa Teresa descem. Somos levados à ponte que corta o ventre da mata costeira, e ao fim pisamos a fina areia. Então, com os pés soltos no ar, limpamos das solas a poeira.


A oeste, dois irmãos de pedra observam os amantes caminhando sobre as águas; e ao norte, as araras projetam o bico no espelho do cerrado. Mais a sudeste, resiste o oásis de árvores à secura do deserto urbano. Contudo, no ventre árido do sertão, o vaidoso mandacaru nunca arreda, exibe sem um pingo de vergonha sua bela flor.


Descemos até o portal da cidade. Aceitamos o convite para provar de suas águas. E adiante, angras ameaçam qualquer barca que não seja humilde o suficiente para navegar entre suas presas.


Ainda nas cercanias da costa, subimos ao museu, cuja altitude nos afasta o esquecimento. Em sumo acordo, os pequenos olhos do cacique emitem um distante brilho. O seu silêncio guarda a memória de nossa origem. Não muito longe, ainda resiste a ruína serrana tombada, indício de que o mundo todo cai, se aparta a beleza, mas a voz de uma cachoeira ensina que a natureza nos espera nua, de seio aberto.


Contra o mar e os peixes, três homens lutam tendo apenas por testemunha o crepúsculo. Enquanto a tarde vermelha se oculta, sempre à espreita, uma onça avança na mata.


Sabemos que a luz que cinge o céu é semelhante em todas as paisagens, entretanto, o modo como descortina a verdura do Jardim Botânico revela sua face mais atrevida; diluindo-se, em seguida, lá do alto da Guanabara. Não se sabe de onde vem ou para onde vai, mas é notável o modo que ilumina as ilhas pontilhando a costa; e mais avante, do outro lado do estado, se espraia sobre uma igrejinha cravada na rocha. Subindo o mirante baiano, vários degraus acima do chão, não há nada além de mar, por qual a cintilância se vai perdendo no horizonte.


Voltamos ao chão. A festa sem fim arranca novo sorriso. Com uma mão dada ao boneco de Olinda, e a outra, ao Cristo Redentor, encantados pela marcha da Folia de Reis, completamos a ciranda ao redor do Pão de Açúcar.

 

Assim, a arte afasta o mito de que toda existência se encerra no corpo. Como podem notar, um olhar breve sobre nossos artistas é suficiente prova de que não há máquina ou ciência ou modernidade possíveis que superem o mistério de nós mesmos. Ao compartilhar sua luz através da tinta, o invisível se torna indivisível, algo que nem o tempo pode nos roubar.



Jonatas Tosta, escritor e professor

Catálogo da Exposição Maravilhas do Brasil

MARAVILHAS DO BRASIL - Exposição dos artistas da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés

 

Galeria de Arte IBEU e o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro apresentam a exposição "Maravilhas do Brasil", mostra coletiva que reúne 30 obras de artistas da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés - APBP, organização internacional que, desde 1967, tem como missão reunir artistas que tenham perdido o uso das mãos e desenvolvam sua arte a partir da técnica de segurar o pincel com a boca ou com os pés.

Nas palavras de Marcelo Cunha, escritor, artista, membro associado da APBP e curador da mostra, as obras presentes em Maravilhas do Brasil "surgiram como fruto da dedicação de artistas imersos nas possibilidades de eternizar fragmentos da diversidade cultural, das paisagens de beleza singular, e da rica fauna e flora endêmica de um Brasil continental. Cada imagem é uma viagem pictórica, decodificada em estilo, técnicas e cores distintas. Em cada detalhe se destaca, mais do que o anseio da produção de uma obra, a evidência de como a arte ainda desponta como uma ferramenta eficaz para a inclusão plena e digna."

No dia 19 de agosto, às 18 horas, será realizado um coquetel para convidados. Na ocasião, será realizada uma apresentação musical do Coral Ponto de Vista, formado por alunos do Instituto Benjamin Constant - IBC. 

A mostra estará aberta à visitação do público no período de 20/08 a 13/09, de segunda a quinta, das 13h às 19h, e sextas, de 12h às 18h.


Coquetel de Inauguração | RSVP - Retire seu ingresso no Sympla:



EXPOSIÇÃO "MARAVILHAS DO BRASIL"
Inauguração: 19 de agosto, às 18 horas.
Visitação: 20/08 a 13/09.

Galeria de Arte IBEU
Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ.