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Raízes Entrelaçadas - 200 Anos de Amizade transformando o Futuro

 


A Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil, em parceria com o IBEU, têm o prazer de convidar para o coquetel de inauguração da exposição Raízes Entrelaçadas: 200 anos de amizade transformando o futuro. 

GALERIA DE ARTE IBEU - 23/09 (2ª feira), às 18 horas
Endereço: Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico.

Raízes Entrelaçadas é uma exposição que celebra os 200 anos de relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos. Com curadoria de João Kulcsár, ex-aluno da Fulbright e professor do Senac-SP, a mostra reúne um conjunto de 33 fotografias que revelam como as duas nações construíram uma sólida relação de amizade e parceria em temas como democracia, liberdade, direitos humanos e combate às mudanças climáticas. A mostra é gratuita e estará aberta de 24 de setembro a 18 de outubro de 2024 na Galeria de Arte IBEU.

RSVP | Retire seu ingresso na plataforma Sympla:
https://bit.ly/4guUpgt


Texto de Jonatas Tosta para a exposição MARAVILHAS DO BRASIL

A cada toque na superfície em branco, os Artistas Pintores com a Boca e os Pés compõem seu manifesto sobre a magnitude da vida; sobretudo, por atestarem que a vida se dilata para além da materialidade do corpo. A beleza íntima, corporificada na ponta do pincel, concebe cor e forma ao vazio da tela, oferecendo-nos o testemunho de que reside neles a inescapável liberdade.


Adentrando o silêncio da galeria, observamos a constelação composta por 30 quadros. Entre um e outro piscar de olhos, pomo-nos em lugar do artista. Sem o domínio dos membros superiores, atentamos à boca.  A obra diante de nós não foi criada pela precisão dos dedos, mas brotou dos lábios, dum longo e delicado beijo, através do qual a ponta das cerdas nutriu os veios de um rio, desaguando no mar de cores. E as longas ondas não foram conduzidas por ventos, mas pelos músculos do maxilar. De entre os dedos do pé, nasceram o céu e as estrelas, e o sol se escondeu outra vez, dobrando as montanhas à altura da noite.


Vemos as luzes da cidade crescerem sobre o reflexo na lagoa. Em festa sorrimos, venerando a majestade do bumba meu boi. Da boca aberta foge um pássaro de bico vermelho. Pousa num galho viçoso e nos observa; enquanto, ao fundo, o sino da igreja toca o meio-dia. Conseguinte, as araras namoram abraçadas debaixo da mesma pluma azul.


Os coqueiros não se dobram sob o peso dos homens, que finalmente alcançam o fruto fresco.  Desviamos a atenção para o lado, de onde vem som da sineta do bonde, e por onde os trilhos de Santa Teresa descem. Somos levados à ponte que corta o ventre da mata costeira, e ao fim pisamos a fina areia. Então, com os pés soltos no ar, limpamos das solas a poeira.


A oeste, dois irmãos de pedra observam os amantes caminhando sobre as águas; e ao norte, as araras projetam o bico no espelho do cerrado. Mais a sudeste, resiste o oásis de árvores à secura do deserto urbano. Contudo, no ventre árido do sertão, o vaidoso mandacaru nunca arreda, exibe sem um pingo de vergonha sua bela flor.


Descemos até o portal da cidade. Aceitamos o convite para provar de suas águas. E adiante, angras ameaçam qualquer barca que não seja humilde o suficiente para navegar entre suas presas.


Ainda nas cercanias da costa, subimos ao museu, cuja altitude nos afasta o esquecimento. Em sumo acordo, os pequenos olhos do cacique emitem um distante brilho. O seu silêncio guarda a memória de nossa origem. Não muito longe, ainda resiste a ruína serrana tombada, indício de que o mundo todo cai, se aparta a beleza, mas a voz de uma cachoeira ensina que a natureza nos espera nua, de seio aberto.


Contra o mar e os peixes, três homens lutam tendo apenas por testemunha o crepúsculo. Enquanto a tarde vermelha se oculta, sempre à espreita, uma onça avança na mata.


Sabemos que a luz que cinge o céu é semelhante em todas as paisagens, entretanto, o modo como descortina a verdura do Jardim Botânico revela sua face mais atrevida; diluindo-se, em seguida, lá do alto da Guanabara. Não se sabe de onde vem ou para onde vai, mas é notável o modo que ilumina as ilhas pontilhando a costa; e mais avante, do outro lado do estado, se espraia sobre uma igrejinha cravada na rocha. Subindo o mirante baiano, vários degraus acima do chão, não há nada além de mar, por qual a cintilância se vai perdendo no horizonte.


Voltamos ao chão. A festa sem fim arranca novo sorriso. Com uma mão dada ao boneco de Olinda, e a outra, ao Cristo Redentor, encantados pela marcha da Folia de Reis, completamos a ciranda ao redor do Pão de Açúcar.

 

Assim, a arte afasta o mito de que toda existência se encerra no corpo. Como podem notar, um olhar breve sobre nossos artistas é suficiente prova de que não há máquina ou ciência ou modernidade possíveis que superem o mistério de nós mesmos. Ao compartilhar sua luz através da tinta, o invisível se torna indivisível, algo que nem o tempo pode nos roubar.



Jonatas Tosta, escritor e professor

Catálogo da Exposição Maravilhas do Brasil

MARAVILHAS DO BRASIL - Exposição dos artistas da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés

 

Galeria de Arte IBEU e o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro apresentam a exposição "Maravilhas do Brasil", mostra coletiva que reúne 30 obras de artistas da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés - APBP, organização internacional que, desde 1967, tem como missão reunir artistas que tenham perdido o uso das mãos e desenvolvam sua arte a partir da técnica de segurar o pincel com a boca ou com os pés.

Nas palavras de Marcelo Cunha, escritor, artista, membro associado da APBP e curador da mostra, as obras presentes em Maravilhas do Brasil "surgiram como fruto da dedicação de artistas imersos nas possibilidades de eternizar fragmentos da diversidade cultural, das paisagens de beleza singular, e da rica fauna e flora endêmica de um Brasil continental. Cada imagem é uma viagem pictórica, decodificada em estilo, técnicas e cores distintas. Em cada detalhe se destaca, mais do que o anseio da produção de uma obra, a evidência de como a arte ainda desponta como uma ferramenta eficaz para a inclusão plena e digna."

No dia 19 de agosto, às 18 horas, será realizado um coquetel para convidados. Na ocasião, será realizada uma apresentação musical do Coral Ponto de Vista, formado por alunos do Instituto Benjamin Constant - IBC. 

A mostra estará aberta à visitação do público no período de 20/08 a 13/09, de segunda a quinta, das 13h às 19h, e sextas, de 12h às 18h.


Coquetel de Inauguração | RSVP - Retire seu ingresso no Sympla:



EXPOSIÇÃO "MARAVILHAS DO BRASIL"
Inauguração: 19 de agosto, às 18 horas.
Visitação: 20/08 a 13/09.

Galeria de Arte IBEU
Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ.

Texto de Jozias Benedicto para a exposição de Fabi Cunha

O mundo é um jardim. Uma luz banha o mundo.
A limpeza do ar, os verdes depois das chuvas (...)
Esta tarde inesquecível Deus me deu. Limpou meus olhos e vi.

Adélia Prado, Graça


Enquanto examino as obras que a artista Fabi Cunha traz para “ALTAR”, sua exposição individual na Galeria Ibeu, fico imaginando o espaço – casa, ateliê da artista – onde as obras foram concebidas e executadas com esmero: incrustado na Mata Atlântica, montanhas ao fundo, o cheiro da chuva sobre a relva, sobre as folhas secas, “os verdes depois das chuvas”, passarinhos cantando solitários ou em bandos, animais de médio porte que encaram em desafio os invasores, nós, os ditos civilizados. 

Penso em poetas como Adélia Prado que, na simplicidade cotidiana de Divinópolis, Minas Gerais, encontra rotas para o sagrado, para a transcendência, e leio como Fabi descreve seu processo criativo: “sua inspiração é a natureza, onde a artista se conecta com o divino e encontra paz interior”. Mais de que uma fé em ritos formais de religiões institucionalizadas, a artista navega em pensamento e sensibilidade e encontra a sua conexão com o divino através da natureza e da arte.


E penso em outro poeta das coisas simples, Manoel de Barros, que descreve um seu irmão que teria aceito o pedido de um passarinho para ser sua árvore: “No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo / mais do que os padres lhes ensinavam no internato. / Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.”

As pinturas da artista também exalam este perfume de um Deus das pequenas coisas, de um viver um dia após o outro, uma estação após a outra, do efêmero e do eterno, da espera e de reencontros. A preocupação ecológica de Fabi Cunha se evidencia em sua escolha de tintas e pigmentos com menor toxicidade, e penso então que a palavra ecologia tem origem no grego oikos, que significa casa.

São pinturas em sua maioria de grandes tamanhos, e mostram flores, árvores, folhagens, borboletas, passarinhos e também santos, criaturas que fazem a intermediação entre o humano e o sagrado. São figuras em meio a abstrações muito coloridas, “massas de cor e raios de luz, que apontam para um progressivo desprendimento da forma”, inspiradas na luxuriante paisagem que a circunda. Como o irmão do poeta no estágio de ser árvore, o olho da artista “aprendeu melhor o azul”. 


Assim como a natureza invade as pinturas de Fabi, sua obra deixa o bidimensional e invade o espaço com objetos/instalações feitos a partir de madeiras e resíduos coletados na Mata Atlântica. Um deles, o ALTAR, sintetiza a pesquisa da artista e dá nome à mostra, uma obra em progresso, uma instalação viva, ao centro do espaço expositivo, que desafia os visitantes a não serem apenas espectadores e sim participantes: a permanência da vida das plantas no altar depende dos visitantes que façam um pequeno gesto, regando-as com os borrifadores que a artista deixa à sua disposição. Sim, todos podemos fazer pequenos gestos e com estes pequenos gestos contribuirmos muito para a vida, para a sobrevivência da humanidade e do planeta.

E voltando aos poetas, penso em Adélia em “A poesia, a salvação e a vida”: “Eu não sei o que é, / mas sei que existe um grão de salvação / escondido nas coisas deste mundo”. E também não posso deixar de lembrar de Manoel e seu irmão que “agradecia a Deus aquela permanência em árvore / porque fez amizade com as borboletas”. Certamente com Fabi Cunha e seu trabalho nós todos temos a oportunidade de fazer amizade com as borboletas e os pássaros e também de descobrir o oculto grão de salvação.


Jozias Benedicto
Escritor, curador e artista visual
Maio/2024

ALTAR - Fabi Cunha

 

Galeria Ibeu convida para a inauguração da mostra ALTAR, exposição individual da artista Fabi Cunha, com curadoria do escritor e artista visual Jozias Benedicto. Em exibição, pinturas de grandes formatos e objetos/instalações elaborados pela artista a partir de madeiras e resíduos coletados na Mata Atlântica.

Assim Fabiana descreve seu processo criativo: “sua inspiração é a natureza, onde a artista se conecta com o divino e encontra paz interior”. Mais que uma fé em ritos formais de religiões institucionalizadas, a artista navega em pensamento e sensibilidade e encontra a sua conexão com o divino através da natureza e da arte. As pinturas consistem em figuras de folhas, passarinhos, borboletas e santos, em meio a abstrações muito coloridas, “massas de cor e raios de luz, que apontam para um progressivo desprendimento da forma”, inspiradas na luxuriante paisagem que a circunda em sua casa/ateliê na serra fluminense.

A instalação “Altar”, que sintetiza a pesquisa de Fabiana e dá nome à mostra, é uma instalação viva que desafia os visitantes à participação, já que a permanência da vida das plantas no Altar depende dos visitantes que façam um pequeno gesto, regando-as com os borrifadores que a artista deixa à sua disposição. Para o curador, “a mensagem da artista é que todos podemos fazer pequenos gestos e com estes pequenos gestos contribuirmos muito para a vida, para a sobrevivência da humanidade e do planeta”. A preocupação ecológica de Fabiana se evidencia também em sua escolha de tintas e pigmentos com menor toxicidade, lembrando que a palavra ecologia tem origem no grego oikos, que significa casa.


Serviço:

ALTAR - Fabi Cunha
Curadoria Jozias Benedicto
Inauguração: 17 de julho de 2024, às 18h
Visitação: 18 de julho a 9 de agosto
Horário: segunda a quinta, de 13h às 19h; sextas, de12h às 18h.

Galeria Ibeu - Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ


Texto de Jozias Benedicto para a individual de Renata Nassur

 


Um fio invisível de deslumbrado espanto me guia (...)

Sirvo para que as coisas se vejam.

Sophia de Mello Breyner Andresen


O deslumbrado espanto de quem percebe as coisas pela primeira vez – este é o motor do processo criativo do artista, do adulto que soube permanecer criança ao preservar (ou recuperar) aquele dom da primeira visão. O trabalho de Renata Nassur é feito deste deslumbre, deste “espanto silencioso”, no dizer da artista, aliado à técnica delicada e à precisão conceitual.

Para Renata, “nem tudo que se vê é o que parece à primeira vista” e continua: “gosto de pensar sobre isso enquanto desenho, no encantamento de olhar para algo pela primeira vez”. Na Galeria Ibeu, a artista nos apresenta desenhos, pinturas e um vídeo que tecem o “fio invisível” de sutil narrativa, tratando das questões que deixam perplexas as crianças e atravessam o universo dos adultos: a realidade e a representação, o tempo, a efemeridade das coisas, a memória e o apagamento.

O olhar do espectador é capturado pela pequena pintura a partir da foto 3x4 de uma carteira de trabalho dos anos 1970 – a carteira de trabalho do pai da artista. Retrato de família, mas também um retrato da época, de um Brasil que se modernizava e onde a carteira de trabalho significava o salvo-conduto para uma vida melhor, para o futuro ao alcance das mãos, para o “em se plantando, tudo cresce e floresce”.


Não sabemos quantas esperanças ficaram para trás em quantas carteiras de trabalho como a que Renata afetuosamente replica nesta pintura. Como também não sabemos quantas desesperanças estão contidas nas aquarelas feitas a partir de recortes de jornais: os obituários e os anúncios de classificados de garotas de programa – a fama ao alcance de todos em um jornal de grande circulação, mesmo que somente na hora da morte ou no momento em que o corpo vira mercadoria. Ao transformar em arte o trivial, o sem qualidades, é como se a artista nos repetisse para não esquecermos: lembra-te que és pó e ao pó retornarás.

Na série “Verso”, cartões postais antigos comprados em lotes pela internet são replicados pela artista em minucioso trabalho de aquarela – apenas os versos dos postais, sem as imagens que poderiam dar sentido “estético” à apropriação, exibidos ao espectador como fragmentos de um ininteligível romance à clef: Quem é Gil, que recebeu o cartão?, quem seria Roger, que escreveu de Segovia “com um pouco de humor”? quem é Anna Karina, que logo iria dançar “El Tango”?, quem somos nós, espectadores, que tentamos criar histórias, dar sentido a fatos aleatórios?


A dicotomia entre o efêmero e o eterno se faz presente também no diálogo entre duas séries: as nuvens e as pedras portuguesas. Estas últimas são aquarelas feitas a partir da coleta e observação de pedras retiradas do calçamento no caminho diário da artista para seu ateliê. Para as nuvens, a observação de Renata se volta para a grande arte, a pintura de paisagem dos séculos XVII a XIX, e a artista “recorta” detalhes de nuvens, reproduzindo-as em pinturas a óleo sobre tela em pequenos tamanhos.

Esta percepção da finitude está exacerbada no vídeo, que a artista produziu no tempo do isolamento pela pandemia da covid-19. Aparentemente nada se move na tela, talvez o vento, talvez os fantasmas, talvez aquele vulto rápido seja a senhora da foice ou talvez uma impressão apenas ou um defeito da câmera. Talvez. Talvez seja tudo apenas isso, impressões, como as esperanças nas carteiras de trabalho, nos anúncios das garotas de programa, na crença de eternidade nos obituários, nas nuvens que se desfazem na segunda passagem de olhos, nas pedras que, sólidas, também se desmancham no ar.

A artista nos diz com sua arte o que nos escreveu a poeta: “sirvo para que as coisas se vejam”. E ao ver as coisas com o olhar de Renata, os objetos vulgares ganham a verdadeira vida, aquela que não é feita de decadência, morte e esquecimento e sim de perenidade.


Jozias Benedicto
Escritor, artista visual e curador

Texto de Jozias Benedicto para a individual de Henrique de França

 


“Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado
e que se repete todos os dias, não é senão uma coisa muda.
Somente o acaso tem voz”

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser

 

Ao examinarmos com vagar os desenhos e pinturas que Henrique de França nos apresenta nesta sua mostra, o que nos chama a atenção e nos envolve silenciosamente não é apenas a beleza formal e a técnica primorosa e sim um estranhamento, como se uma fresta se abrisse e através dela irrompesse o inesperado: algo que está lá, mas não está; ou algo que não está lá, mas está.


Um breve momento e esta fenda se fecha, a beleza das pinturas e desenhos volta a acariciar nossas retinas, até a abertura de nova fresta. Não é uma sensação desagradável, pelo contrário: é como se a visão de outro universo, com regras próprias, levasse nossas mentes a uma viagem da qual retornamos mais vivos. É como se os trabalhos do artista também estivessem vivos e nos convidando a viajar em seus mundos, nos propondo diálogos infindáveis.


Esta janela para novas realidades é um estranhamento no sentido em que Freud descreve, o Unheimliche, que faz referência ao que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu. E assim chegamos ao papel do acaso, do estranhamento dos personagens de Milan Kundera ao constatar que inúmeros acontecimentos importantes em suas vidas na vida de todos nós – não são fruto do livre-arbítrio, de ações deliberadas e sim do simples acaso. Nos trabalhos de Henrique de França o acaso se faz presente a partir do processo adotado pelo artista na construção de seus desenhos e pinturas.



Henrique utiliza como matéria prima imagens de fotografias antigas de álbuns de família, isolando elementos de fotos diferentes, de tempos e lugares diversos e os recombinando em novas imagens, em novas narrativas; o papel do acaso é fundamental ao guiar ou a libertar o artista nestas montagens. Segundo ele, sempre deixando algo talvez fora do lugar, um elemento narrativo estranho e aberto, que confunda realidade com sonho, uma pergunta sobre o que aconteceu ou está para acontecer na imagem. O momento retratado busca ser o frame intermediário de algo além do que está na imagem. Ao escolher a frase do escritor tcheco como título de sua exposição, Henrique busca evidenciar esses encontros levianos de imagens de diferentes fontes, mas que podem tomar um peso maior à medida em que se configuram em novas e velhas histórias.


Nos desenhos, o artista emprega lápis sobre papel e relata: uso uma variedade de lápis, desde os mais duros até os mais escuros, e os papéis são brancos, mas não totalmente alvos, eles têm esse aspecto natural e que se assemelha, inclusive, ao branco esmaecido dos papéis das fotografias antigas. Neles eu busco trabalhar o vazio, além de explorar espaços negativos e interrupções”.



nas pinturas, o que chama a atenção é uma camada de tinta azul que as finaliza. Além das referências à História da Arte, do lápis-lazúli e dos mantos das Virgens do Renascimento até o azul de Yves Klein podemos ver neste azul um arrematedo estranhamento, como se o Unheimliche, após vazar pelas frestas das paisagens e narrativas, se espalhasse pela superfície pictórica – “um véu transparente” – reiterando ao espectador: você está aí e eu estou aqui mas quem sabe não sejamos nós apenas frutos do diálogo entre a mão do artista e o olho do espectador, frutos talvez de um acaso, mais um entre tantos.


Para Yves Klein, "o azul não tem dimensões, ele 'é'”. A camada azul sobre as pinturas é como o narrador de Kundera, ao consolaro personagem Tomas asseverando que só o acaso tem voz, e que as circunstâncias fortuitas que o uniram a Tereza, bem, não são muito diversas do que a humanidade experimenta em grande parte dos acontecimentos. Talvez nós é que busquemos, o tempo todo, significados nas estrelas, deliberação divina ou a força do destino onde, enfim, só haja mesmo o acaso.



Jozias Benedicto
Maio/2024


Primeiras visões das coisas - Renata Nassur

 



Galeria de Arte Ibeu convida para a inauguração das exposições individuais simultâneas “Somente o acaso tem voz”, do paulista Henrique de França, e “Primeiras visões das coisas”, de Renata Nassur, paranaense radicada no Rio de Janeiro, ambas as mostras com curadoria do escritor e artista visual Jozias Benedicto.

Em “Primeiras visões das coisas”, a artista Renata Nassur apresenta seis séries de desenhos e pinturas, bem como um vídeo produzido durante o isolamento pela pandemia da covid-19. São trabalhos que tecem o “fio invisível” de sutil narrativa, tratando das questões como a realidade e a representação, o tempo, a efemeridade das coisas, a memória e o apagamento. Em duas das séries, a artista se utiliza da técnica da aquarela para replicar, em trabalho minucioso, recortes de jornais: obituários e classificados de garotas de programa. Já na série “Verso”, Renata reproduz o verso de cartões-postais antigos, comprados em lotes pela internet, ignorando as imagens que dariam sentido aos cartões e apresentando, nas palavras do curador, “fragmentos de um ininteligível romance à clef”. Nas pequenas pinturas a óleo da série “Nuvens”, a artista vai até a História da Arte, “recortando” detalhes de paisagens dos séculos XVII a XIX, contrapondo-as às aquarelas feitas a partir de pedras portuguesas retiradas e depois devolvidas às calçadas de seu caminho diário. Da mesma forma, ao reproduzir em pintura em tamanho natural a foto 3x4 da carteira de trabalho dos anos 1970 de seu pai, a artista nos mostra como outro olhar o efêmero ou esquecido, com o deslumbrado espanto de quem percebe as coisas pela primeira vez.

Abertura para convidados: 13 de junho, das 18h às 21h30

RSVP | Retire seu convite no Sympla:
https://bit.ly/4c0UqG2

Visitação: 14/06 a 05/07
Horário de funcionamento: de segunda a quinta, de 13h às 19h; sextas, de 12h às 18h.


Galeria de Arte Ibeu
Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ

Somente o acaso tem voz - Henrique de França

 


Galeria de Arte Ibeu convida para a inauguração das exposições individuais simultâneas “Somente o acaso tem voz”, do paulista Henrique de França, e “Primeiras visões das coisas”, de Renata Nassur, paranaense radicada no Rio de Janeiro, ambas as mostras com curadoria do escritor e artista visual Jozias Benedicto.


Em “Somente o Acaso Tem Voz" o artista Henrique de França apresenta 6 pinturas em óleo sobre tela e 3 desenhos em lápis sobre papel, onde o acaso desempenha um papel preponderante no processo de construção das obras. O artista trabalha a partir de imagens de fotografias antigas de álbuns de família, isolando elementos de diferentes fontes, de tempos e lugares diversos, e os recombina em novas imagens, em novas narrativas. Estas imagens são trabalhadas em delicadas pinturas ou em desenhos nos quais o artista explora vazios, espaços negativos e interrupções. Para Henrique, “o momento retratado busca ser o frame intermediário de algo que acabou de acontecer ou está para acontecer”. Com isto, as obras envolvem o espectador em um estranhamento no sentido em que Freud descreve, o Unheimliche, que significa algo que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu. As pinturas são finalizadas com uma camada de tinta azul, como um “véu transparente”, o que faz referência à História da Arte – dos mantos das Virgens do Renascimento ao azul de Yves Klein – e também exacerbando no espectador este estranhamento. Sobre os trabalhos de Henrique, declara o curador: “É como se os trabalhos do artista também estivessem vivos e nos convidando a viajar em seus mundos, nos propondo diálogos infindáveis.” 


Abertura para convidados: 13 de junho, das 18h às 21h30 

RSVP | Retire seu convite no Sympla:

Visitação: 14/06 a 05/07
Horário de funcionamento: de segunda a quinta, de 13h às 19h; sextas, de 12h às 18h.


Galeria de Arte Ibeu 
Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico


Texto crítico de Jozias Benedicto para a exposição "Para sempre até"


O todo: a floresta, o planeta, o universo. Os pedaços: as árvores, as folhas, flores e pequenos frutos, as sementes. Os fragmentos caem e formam tapetes de matéria orgânica, alimento para o solo. Respire fundo, entre na floresta, se perca nela, olhe para o alto: uma réstea do céu entre as copas das árvores. Sinta o calor do sol filtrado pelas camadas e camadas de galhos, ramos, arbustos, ninhos de pássaros, trepadeiras, bromélias, orquídeas. Olhe para baixo, veja os pequenos pedaços. Fique de joelhos, cheire a terra, as folhas, os pedaços que se dissolvem em umidade, sustento para o solo e para as raízes, seiva que sobe pelas árvores até chegar ao sol. A luz e a penumbra, as noites plenas de respirações e mistérios.

Se o mundo cair em pedaços…


Em 2019, as artistas visuais Cláudia Tavares e Renata Cruz participaram de uma residência artística na Vila de Paranapiacaba, São Paulo, no topo da Serra do Mar, em plena Mata Atlântica. A imersão na floresta, a sensação da perenidade do ecossistema e da regularidade de seus ciclos, mesmo sob a ameaça crescente do homem-civilizado-predador. As leituras e conversas, a vivência e o fazer artístico sempre renovado no registro das experiências – Renata com desenhos e aquarelas, com palavras e colagens, com instalações; Cláudia utilizando-se da fotografia, do vídeo e da apropriação de elementos da natureza – serviram de régua e compasso para a elaboração deste projeto selecionado pela Galeria Ibeu em 2020.

O mundo cai em pedaços, mas só aos pedaços se constrói algo”, o poema da escritora uruguaia Cristina Peri Rossi descreve o fazer das artistas, inventando um novo mundo com suas memórias e seus registros da floresta.


Os desenhos de Renata saltam das paredes e se unem, arquitetando pelo espaço expositivo, “árvores”, entre as quais o espectador pode passear e fazer suas descobertas. As fotografias e objetos de Cláudia se espalham pelas paredes e o chão, como corpos celestes ancorados a um horizonte de palavras, os “até”.

Com sensibilidade e esmero, as artistas nos trouxeram de sua vivência na Mata Atlântica um mundo que respira, vivo, no espaço da galeria – e é interessante lembrar que a galeria fica a uma pequena caminhada de trilhas que nos levam à Floresta da Tijuca, a terceira maior floresta urbana do mundo – e que foi totalmente reconstruída no século XIX, após ser destruída pela exploração agrícola sem planejamento.

Talvez ainda seja possível?, as artistas nos perguntam e nos desafiam: a partir destes fragmentos trazidos da Floresta em suas bagagens e em suas memórias e que “teceram na relação”, na vivência – que cada um de nós possa (re)construir o todo, a floresta, o planeta, os infinitos universos.


Jozias Benedicto
Escritor, artista visual e curador
Abril de 2024




Para sempre até - Claudia Tavares e Renata Cruz



A exposição “Para sempre até”, das artistas Cláudia Tavares e Renata Cruz, com curadoria de Jozias Benedicto, teve como inspiração uma residência rtística na Vila de Paranapiacaba, São Paulo, no topo da Serra do Mar, em plena Mata Atlântica, que as artistas vivenciaram em 2017. A imersão na floresta, associada às leituras e debates, foram o ponto de partida para a elaboração, pelas artistas, deste projeto que foi selecionado pela Galeria IBEU.


Uma frase da escritora uruguaia Fernanda Trías, “O mundo cai em pedaços, mas só aos pedaços se constrói algo”, descreve a proposta das artistas, inventando, para os visitantes da exposição, um novo mundo com suas memórias e seus registros da floresta. Os desenhos de Renata, de sua série “Para sempre um dia”, saltam das paredes e se unem, arquitetando “árvores”, criando caminhos entre os quais o espectador pode passear e fazer suas descobertas. As fotografias e os objetos que Cláudia recolhe e ressignifica se espalham pelas paredes, como corpos celestes ancorados a um horizonte de palavras, os “até”.

Com sensibilidade e esmero, as artistas nos convidam a entrar neste mundo que construíram e que respira, vivo, no espaço expositivo - e é interessante lembrar que a galeria fica a uma pequena caminhada de trilhas que nos levam à Floresta da Tijuca, a terceira maior floresta urbana do mundo.


Serviço :
“Para sempre até” - Exposição individual simultânea das artistas Cláudia Tavares e Renata Cruz
Curadoria: Jozias Benedicto
Galeria Ibeu - Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ
Abertura para convidados: 8 de maio, das 18h às 21h

Visitação: 9 a 31 de maio de 2024
Horário de visitação: segunda a quinta, de 13h às 19h; sextas, de 12h às 18h.
Entrada franca - sem restrição de idade

Texto crítico de Luiz Alberto Oliveira para a individual de Alessandra Vaghi

 


Uma Reflexão sobre Ritual e Sacrifício
Sobre a exposição “Hecatombe”, de Alessandra Vaghi
Luiz Alberto Oliveira

Na antiga Hélade, foram costumeiros os rituais em que animais eram sacrificados para propiciar os Deuses, dentre eles Hera, soberana do Olimpo e protetora dos lares, e Atena, divindade da sabedoria e da guerra. Quanto o número de animais era grande, a cerimônia era chamada de “Hecatombe” (o termo grego original designava a matança de 100 reses). Em nossos dicionários, o termo passou a significar chacina, massacre, carnificina. E, por certo, não apenas de animais de pastoreio.

O conjunto de trabalhos artísticos que Alessandra Vaghi nos apresenta sob este título oferece várias dimensões de reflexão. A mais imediata diz respeito a uma inflexão que vivemos na sociedade contemporânea: a hecatombe é das matas, em favor dos bovinos. O exame de mapas da cobertura vegetal no Brasil de algumas décadas para cá não deixa dúvidas acerca do morticínio em larga escala desfechado contra savanas e florestas, a ferro – e a fogo. Pois um segundo viés de devastação ampla foi o da conversão de madeira em carvão, em particular para uso em siderúrgicas. Deixando de fabricar ar, a mata fornece fogo para forjar o ferro; a contemplação dos sacos alinhados de lenho carbonizado inevitavelmente nos questiona sobre sua origem. 


Em seguida, e ainda mais profundamente, somos conduzidos da substância para a luz – ou, antes, para sua abolição. É o negrume do carvão, por contraste, a fonte principal para o transluzimento do ambiente; a claridade diáfana dos feixes luminosos da cave onde os gestos rituais se desempenham – subterrâneos, silenciosos, suaves – abduz, e compõe, com o peso escuro da muralha de sacos. Este cenário íntimo, recluso, hospeda a sequência de movimentos pelas quais uma moradia – o lugar onde a gente se demora – é constituída sob nossas vistas, encarnada nos utensílios que põe o banco como mesa. Este domicílio improvável é como que o avesso da paisagem vista do alto, tão belamente exposta ao lado; tal como lá a vida se diferencia e espraia, aqui é a feminilidade que se multiplica.

De Jorge Luis Borges aos paradoxos quânticos e às histórias em quadrinhos, o conceito de multiverso se disseminou largamente em nossa cultura. O rol de questionamentos que Alessandra nos traz tão sutilmente talvez tenham como eixo integrador, fundacional ainda que indiscernível, fulgurante ainda que obscuro, o mistério mesmo de que as Deusas arcaicas eram símbolo: o da potência multiversal do feminino.


Rio, 03 de Abril de 2024

Hecatombe - Alessandra Vaghi

 


A Galeria de Arte IBEU inaugura no dia 9 de abril a individual Hecatombe da artista Alessandra Vaghi. Com curadoria de Luiz Alberto Oliveira, a exposição apresenta uma instalação com sacos de carvão e reúne obras como vídeos, fotografia e esculturas de cerâmica. Durante o coquetel para os convidados, a partir das 17h, serão apresentadas sessões do vídeo A Última Ceia.

Segundo o curador, Luiz Alberto Oliveira, "o conjunto de trabalhos artísticos que Alessandra Vaghi nos apresenta sob este título oferece várias dimensões de reflexão. A mais imediata diz respeito a uma inflexão que vivemos na sociedade contemporânea: a hecatombe é das matas, em favor dos bovinos. (...) Um segundo viés de devastação ampla foi o da conversão de madeira em carvão, em particular para uso em siderúrgicas. Deixando de fabricar ar, a mata fornece fogo para forjar o ferro; a contemplação dos sacos alinhados de lenho carbonizado inevitavelmente nos questiona sobre sua origem."

Sobre os trabalhos em vídeo, produzidos e performados pela artista, Luiz Alberto Oliveira nos diz: "De Jorge Luis Borges aos paradoxos quânticos e às histórias em quadrinhos, o conceito de multiverso se disseminou largamente em nossa cultura. O rol de questionamentos que Alessandra nos traz tão sutilmente talvez tenham como eixo integrador, fundacional ainda que indiscernível, fulgurante ainda que obscuro, o mistério mesmo de que as Deusas arcaicas eram símbolo: o da potência multiversal do feminino."


SERVIÇO:
Título: Hecatombe
Curadoria e texto crítico: Luiz Alberto Oliveira
Local: Galeria de Arte IBEU (Rua Maria Angélica, 168 – Jardim Botânico)
Inauguração: 03 de abril de 2024 
Visitação: 04 a 30 de abril – segunda a quinta, das 13h às 19h; sextas, de 12h às 18h.