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Texto crítico de Jozias Benedicto para a exposição "Para sempre até"


O todo: a floresta, o planeta, o universo. Os pedaços: as árvores, as folhas, flores e pequenos frutos, as sementes. Os fragmentos caem e formam tapetes de matéria orgânica, alimento para o solo. Respire fundo, entre na floresta, se perca nela, olhe para o alto: uma réstea do céu entre as copas das árvores. Sinta o calor do sol filtrado pelas camadas e camadas de galhos, ramos, arbustos, ninhos de pássaros, trepadeiras, bromélias, orquídeas. Olhe para baixo, veja os pequenos pedaços. Fique de joelhos, cheire a terra, as folhas, os pedaços que se dissolvem em umidade, sustento para o solo e para as raízes, seiva que sobe pelas árvores até chegar ao sol. A luz e a penumbra, as noites plenas de respirações e mistérios.

Se o mundo cair em pedaços…

Em 2019, as artistas visuais Cláudia Tavares e Renata Cruz participaram de uma residência artística na Vila de Paranapiacaba, São Paulo, no topo da Serra do Mar, em plena Mata Atlântica. A imersão na floresta, a sensação da perenidade do ecossistema e da regularidade de seus ciclos, mesmo sob a ameaça crescente do homem-civilizado-predador. As leituras e conversas, a vivência e o fazer artístico sempre renovado no registro das experiências – Renata com desenhos e aquarelas, com palavras e colagens, com instalações; Cláudia utilizando-se da fotografia, do vídeo e da apropriação de elementos da natureza – serviram de régua e compasso para a elaboração deste projeto selecionado pela Galeria Ibeu em 2020.

“O mundo cai em pedaços, mas só aos pedaços se constrói algo”, o poema da escritora uruguaia Cristina Peri Rossi descreve o fazer das artistas, inventando um novo mundo com suas memórias e seus registros da floresta

Os desenhos de Renata saltam das paredes e se unem, arquitetando pelo espaço expositivo, “árvores”, entre as quais o espectador pode passear e fazer suas descobertas. As fotografias e objetos de Cláudia se espalham pelas paredes e o chão, como corpos celestes ancorados a um horizonte de palavras, os “até”.

Com sensibilidade e esmero, as artistas nos trouxeram de sua vivência na Mata Atlântica um mundo que respira, vivo, no espaço da galeria – e é interessante lembrar que a galeria fica a uma pequena caminhada de trilhas que nos levam à Floresta da Tijuca, a terceira maior floresta urbana do mundo – e que foi totalmente reconstruída no século XIX, após ser destruída pela exploração agrícola sem planejamento.

Talvez ainda seja possível?, as artistas nos perguntam e nos desafiam: a partir destes fragmentos trazidos da Floresta em suas bagagens e em suas memórias e que “teceram na relação”, na vivência – que cada um de nós possa (re)construir o todo, a floresta, o planeta, os infinitos universos.



Jozias Benedicto
Escritor, artista visual e curador
Abril de 2024