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Texto de Jozias Benedicto para a exposição de Fabi Cunha

O mundo é um jardim. Uma luz banha o mundo.
A limpeza do ar, os verdes depois das chuvas (...)
Esta tarde inesquecível Deus me deu. Limpou meus olhos e vi.

Adélia Prado, Graça


Enquanto examino as obras que a artista Fabi Cunha traz para “ALTAR”, sua exposição individual na Galeria Ibeu, fico imaginando o espaço – casa, ateliê da artista – onde as obras foram concebidas e executadas com esmero: incrustado na Mata Atlântica, montanhas ao fundo, o cheiro da chuva sobre a relva, sobre as folhas secas, “os verdes depois das chuvas”, passarinhos cantando solitários ou em bandos, animais de médio porte que encaram em desafio os invasores, nós, os ditos civilizados. 

Penso em poetas como Adélia Prado que, na simplicidade cotidiana de Divinópolis, Minas Gerais, encontra rotas para o sagrado, para a transcendência, e leio como Fabi descreve seu processo criativo: “sua inspiração é a natureza, onde a artista se conecta com o divino e encontra paz interior”. Mais de que uma fé em ritos formais de religiões institucionalizadas, a artista navega em pensamento e sensibilidade e encontra a sua conexão com o divino através da natureza e da arte.


E penso em outro poeta das coisas simples, Manoel de Barros, que descreve um seu irmão que teria aceito o pedido de um passarinho para ser sua árvore: “No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo / mais do que os padres lhes ensinavam no internato. / Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.”

As pinturas da artista também exalam este perfume de um Deus das pequenas coisas, de um viver um dia após o outro, uma estação após a outra, do efêmero e do eterno, da espera e de reencontros. A preocupação ecológica de Fabi Cunha se evidencia em sua escolha de tintas e pigmentos com menor toxicidade, e penso então que a palavra ecologia tem origem no grego oikos, que significa casa.

São pinturas em sua maioria de grandes tamanhos, e mostram flores, árvores, folhagens, borboletas, passarinhos e também santos, criaturas que fazem a intermediação entre o humano e o sagrado. São figuras em meio a abstrações muito coloridas, “massas de cor e raios de luz, que apontam para um progressivo desprendimento da forma”, inspiradas na luxuriante paisagem que a circunda. Como o irmão do poeta no estágio de ser árvore, o olho da artista “aprendeu melhor o azul”. 


Assim como a natureza invade as pinturas de Fabi, sua obra deixa o bidimensional e invade o espaço com objetos/instalações feitos a partir de madeiras e resíduos coletados na Mata Atlântica. Um deles, o ALTAR, sintetiza a pesquisa da artista e dá nome à mostra, uma obra em progresso, uma instalação viva, ao centro do espaço expositivo, que desafia os visitantes a não serem apenas espectadores e sim participantes: a permanência da vida das plantas no altar depende dos visitantes que façam um pequeno gesto, regando-as com os borrifadores que a artista deixa à sua disposição. Sim, todos podemos fazer pequenos gestos e com estes pequenos gestos contribuirmos muito para a vida, para a sobrevivência da humanidade e do planeta.

E voltando aos poetas, penso em Adélia em “A poesia, a salvação e a vida”: “Eu não sei o que é, / mas sei que existe um grão de salvação / escondido nas coisas deste mundo”. E também não posso deixar de lembrar de Manoel e seu irmão que “agradecia a Deus aquela permanência em árvore / porque fez amizade com as borboletas”. Certamente com Fabi Cunha e seu trabalho nós todos temos a oportunidade de fazer amizade com as borboletas e os pássaros e também de descobrir o oculto grão de salvação.


Jozias Benedicto
Escritor, curador e artista visual
Maio/2024