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Catálogo da Exposição Maravilhas do Brasil

MARAVILHAS DO BRASIL - Exposição dos artistas da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés

 

Galeria de Arte IBEU e o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro apresentam a exposição "Maravilhas do Brasil", mostra coletiva que reúne 30 obras de artistas da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés - APBP, organização internacional que, desde 1967, tem como missão reunir artistas que tenham perdido o uso das mãos e desenvolvam sua arte a partir da técnica de segurar o pincel com a boca ou com os pés.

Nas palavras de Marcelo Cunha, escritor, artista, membro associado da APBP e curador da mostra, as obras presentes em Maravilhas do Brasil "surgiram como fruto da dedicação de artistas imersos nas possibilidades de eternizar fragmentos da diversidade cultural, das paisagens de beleza singular, e da rica fauna e flora endêmica de um Brasil continental. Cada imagem é uma viagem pictórica, decodificada em estilo, técnicas e cores distintas. Em cada detalhe se destaca, mais do que o anseio da produção de uma obra, a evidência de como a arte ainda desponta como uma ferramenta eficaz para a inclusão plena e digna."

No dia 19 de agosto, às 18 horas, será realizado um coquetel para convidados. Na ocasião, será realizada uma apresentação musical do Coral Ponto de Vista, formado por alunos do Instituto Benjamin Constant - IBC. 

A mostra estará aberta à visitação do público no período de 20/08 a 13/09, de segunda a quinta, das 13h às 19h, e sextas, de 12h às 18h.


Coquetel de Inauguração | RSVP - Retire seu ingresso no Sympla:



EXPOSIÇÃO "MARAVILHAS DO BRASIL"
Inauguração: 19 de agosto, às 18 horas.
Visitação: 20/08 a 13/09.

Galeria de Arte IBEU
Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ.

Texto de Jozias Benedicto para a exposição de Fabi Cunha

O mundo é um jardim. Uma luz banha o mundo.
A limpeza do ar, os verdes depois das chuvas (...)
Esta tarde inesquecível Deus me deu. Limpou meus olhos e vi.

Adélia Prado, Graça


Enquanto examino as obras que a artista Fabi Cunha traz para “ALTAR”, sua exposição individual na Galeria Ibeu, fico imaginando o espaço – casa, ateliê da artista – onde as obras foram concebidas e executadas com esmero: incrustado na Mata Atlântica, montanhas ao fundo, o cheiro da chuva sobre a relva, sobre as folhas secas, “os verdes depois das chuvas”, passarinhos cantando solitários ou em bandos, animais de médio porte que encaram em desafio os invasores, nós, os ditos civilizados. 

Penso em poetas como Adélia Prado que, na simplicidade cotidiana de Divinópolis, Minas Gerais, encontra rotas para o sagrado, para a transcendência, e leio como Fabi descreve seu processo criativo: “sua inspiração é a natureza, onde a artista se conecta com o divino e encontra paz interior”. Mais de que uma fé em ritos formais de religiões institucionalizadas, a artista navega em pensamento e sensibilidade e encontra a sua conexão com o divino através da natureza e da arte.


E penso em outro poeta das coisas simples, Manoel de Barros, que descreve um seu irmão que teria aceito o pedido de um passarinho para ser sua árvore: “No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo / mais do que os padres lhes ensinavam no internato. / Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.”

As pinturas da artista também exalam este perfume de um Deus das pequenas coisas, de um viver um dia após o outro, uma estação após a outra, do efêmero e do eterno, da espera e de reencontros. A preocupação ecológica de Fabi Cunha se evidencia em sua escolha de tintas e pigmentos com menor toxicidade, e penso então que a palavra ecologia tem origem no grego oikos, que significa casa.

São pinturas em sua maioria de grandes tamanhos, e mostram flores, árvores, folhagens, borboletas, passarinhos e também santos, criaturas que fazem a intermediação entre o humano e o sagrado. São figuras em meio a abstrações muito coloridas, “massas de cor e raios de luz, que apontam para um progressivo desprendimento da forma”, inspiradas na luxuriante paisagem que a circunda. Como o irmão do poeta no estágio de ser árvore, o olho da artista “aprendeu melhor o azul”. 


Assim como a natureza invade as pinturas de Fabi, sua obra deixa o bidimensional e invade o espaço com objetos/instalações feitos a partir de madeiras e resíduos coletados na Mata Atlântica. Um deles, o ALTAR, sintetiza a pesquisa da artista e dá nome à mostra, uma obra em progresso, uma instalação viva, ao centro do espaço expositivo, que desafia os visitantes a não serem apenas espectadores e sim participantes: a permanência da vida das plantas no altar depende dos visitantes que façam um pequeno gesto, regando-as com os borrifadores que a artista deixa à sua disposição. Sim, todos podemos fazer pequenos gestos e com estes pequenos gestos contribuirmos muito para a vida, para a sobrevivência da humanidade e do planeta.

E voltando aos poetas, penso em Adélia em “A poesia, a salvação e a vida”: “Eu não sei o que é, / mas sei que existe um grão de salvação / escondido nas coisas deste mundo”. E também não posso deixar de lembrar de Manoel e seu irmão que “agradecia a Deus aquela permanência em árvore / porque fez amizade com as borboletas”. Certamente com Fabi Cunha e seu trabalho nós todos temos a oportunidade de fazer amizade com as borboletas e os pássaros e também de descobrir o oculto grão de salvação.


Jozias Benedicto
Escritor, curador e artista visual
Maio/2024

ALTAR - Fabi Cunha

 

Galeria Ibeu convida para a inauguração da mostra ALTAR, exposição individual da artista Fabi Cunha, com curadoria do escritor e artista visual Jozias Benedicto. Em exibição, pinturas de grandes formatos e objetos/instalações elaborados pela artista a partir de madeiras e resíduos coletados na Mata Atlântica.

Assim Fabiana descreve seu processo criativo: “sua inspiração é a natureza, onde a artista se conecta com o divino e encontra paz interior”. Mais que uma fé em ritos formais de religiões institucionalizadas, a artista navega em pensamento e sensibilidade e encontra a sua conexão com o divino através da natureza e da arte. As pinturas consistem em figuras de folhas, passarinhos, borboletas e santos, em meio a abstrações muito coloridas, “massas de cor e raios de luz, que apontam para um progressivo desprendimento da forma”, inspiradas na luxuriante paisagem que a circunda em sua casa/ateliê na serra fluminense.

A instalação “Altar”, que sintetiza a pesquisa de Fabiana e dá nome à mostra, é uma instalação viva que desafia os visitantes à participação, já que a permanência da vida das plantas no Altar depende dos visitantes que façam um pequeno gesto, regando-as com os borrifadores que a artista deixa à sua disposição. Para o curador, “a mensagem da artista é que todos podemos fazer pequenos gestos e com estes pequenos gestos contribuirmos muito para a vida, para a sobrevivência da humanidade e do planeta”. A preocupação ecológica de Fabiana se evidencia também em sua escolha de tintas e pigmentos com menor toxicidade, lembrando que a palavra ecologia tem origem no grego oikos, que significa casa.


Serviço:

ALTAR - Fabi Cunha
Curadoria Jozias Benedicto
Inauguração: 17 de julho de 2024, às 18h
Visitação: 18 de julho a 9 de agosto
Horário: segunda a quinta, de 13h às 19h; sextas, de12h às 18h.

Galeria Ibeu - Rua Maria Angélica, 168 - Jardim Botânico, RJ


Texto de Jozias Benedicto para a individual de Renata Nassur

 


Um fio invisível de deslumbrado espanto me guia (...)

Sirvo para que as coisas se vejam.

Sophia de Mello Breyner Andresen


O deslumbrado espanto de quem percebe as coisas pela primeira vez – este é o motor do processo criativo do artista, do adulto que soube permanecer criança ao preservar (ou recuperar) aquele dom da primeira visão. O trabalho de Renata Nassur é feito deste deslumbre, deste “espanto silencioso”, no dizer da artista, aliado à técnica delicada e à precisão conceitual.

Para Renata, “nem tudo que se vê é o que parece à primeira vista” e continua: “gosto de pensar sobre isso enquanto desenho, no encantamento de olhar para algo pela primeira vez”. Na Galeria Ibeu, a artista nos apresenta desenhos, pinturas e um vídeo que tecem o “fio invisível” de sutil narrativa, tratando das questões que deixam perplexas as crianças e atravessam o universo dos adultos: a realidade e a representação, o tempo, a efemeridade das coisas, a memória e o apagamento.

O olhar do espectador é capturado pela pequena pintura a partir da foto 3x4 de uma carteira de trabalho dos anos 1970 – a carteira de trabalho do pai da artista. Retrato de família, mas também um retrato da época, de um Brasil que se modernizava e onde a carteira de trabalho significava o salvo-conduto para uma vida melhor, para o futuro ao alcance das mãos, para o “em se plantando, tudo cresce e floresce”.


Não sabemos quantas esperanças ficaram para trás em quantas carteiras de trabalho como a que Renata afetuosamente replica nesta pintura. Como também não sabemos quantas desesperanças estão contidas nas aquarelas feitas a partir de recortes de jornais: os obituários e os anúncios de classificados de garotas de programa – a fama ao alcance de todos em um jornal de grande circulação, mesmo que somente na hora da morte ou no momento em que o corpo vira mercadoria. Ao transformar em arte o trivial, o sem qualidades, é como se a artista nos repetisse para não esquecermos: lembra-te que és pó e ao pó retornarás.

Na série “Verso”, cartões postais antigos comprados em lotes pela internet são replicados pela artista em minucioso trabalho de aquarela – apenas os versos dos postais, sem as imagens que poderiam dar sentido “estético” à apropriação, exibidos ao espectador como fragmentos de um ininteligível romance à clef: Quem é Gil, que recebeu o cartão?, quem seria Roger, que escreveu de Segovia “com um pouco de humor”? quem é Anna Karina, que logo iria dançar “El Tango”?, quem somos nós, espectadores, que tentamos criar histórias, dar sentido a fatos aleatórios?


A dicotomia entre o efêmero e o eterno se faz presente também no diálogo entre duas séries: as nuvens e as pedras portuguesas. Estas últimas são aquarelas feitas a partir da coleta e observação de pedras retiradas do calçamento no caminho diário da artista para seu ateliê. Para as nuvens, a observação de Renata se volta para a grande arte, a pintura de paisagem dos séculos XVII a XIX, e a artista “recorta” detalhes de nuvens, reproduzindo-as em pinturas a óleo sobre tela em pequenos tamanhos.

Esta percepção da finitude está exacerbada no vídeo, que a artista produziu no tempo do isolamento pela pandemia da covid-19. Aparentemente nada se move na tela, talvez o vento, talvez os fantasmas, talvez aquele vulto rápido seja a senhora da foice ou talvez uma impressão apenas ou um defeito da câmera. Talvez. Talvez seja tudo apenas isso, impressões, como as esperanças nas carteiras de trabalho, nos anúncios das garotas de programa, na crença de eternidade nos obituários, nas nuvens que se desfazem na segunda passagem de olhos, nas pedras que, sólidas, também se desmancham no ar.

A artista nos diz com sua arte o que nos escreveu a poeta: “sirvo para que as coisas se vejam”. E ao ver as coisas com o olhar de Renata, os objetos vulgares ganham a verdadeira vida, aquela que não é feita de decadência, morte e esquecimento e sim de perenidade.


Jozias Benedicto
Escritor, artista visual e curador

Texto de Jozias Benedicto para a individual de Henrique de França

 


“Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado
e que se repete todos os dias, não é senão uma coisa muda.
Somente o acaso tem voz”

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser

 

Ao examinarmos com vagar os desenhos e pinturas que Henrique de França nos apresenta nesta sua mostra, o que nos chama a atenção e nos envolve silenciosamente não é apenas a beleza formal e a técnica primorosa e sim um estranhamento, como se uma fresta se abrisse e através dela irrompesse o inesperado: algo que está lá, mas não está; ou algo que não está lá, mas está.


Um breve momento e esta fenda se fecha, a beleza das pinturas e desenhos volta a acariciar nossas retinas, até a abertura de nova fresta. Não é uma sensação desagradável, pelo contrário: é como se a visão de outro universo, com regras próprias, levasse nossas mentes a uma viagem da qual retornamos mais vivos. É como se os trabalhos do artista também estivessem vivos e nos convidando a viajar em seus mundos, nos propondo diálogos infindáveis.


Esta janela para novas realidades é um estranhamento no sentido em que Freud descreve, o Unheimliche, que faz referência ao que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu. E assim chegamos ao papel do acaso, do estranhamento dos personagens de Milan Kundera ao constatar que inúmeros acontecimentos importantes em suas vidas na vida de todos nós – não são fruto do livre-arbítrio, de ações deliberadas e sim do simples acaso. Nos trabalhos de Henrique de França o acaso se faz presente a partir do processo adotado pelo artista na construção de seus desenhos e pinturas.



Henrique utiliza como matéria prima imagens de fotografias antigas de álbuns de família, isolando elementos de fotos diferentes, de tempos e lugares diversos e os recombinando em novas imagens, em novas narrativas; o papel do acaso é fundamental ao guiar ou a libertar o artista nestas montagens. Segundo ele, sempre deixando algo talvez fora do lugar, um elemento narrativo estranho e aberto, que confunda realidade com sonho, uma pergunta sobre o que aconteceu ou está para acontecer na imagem. O momento retratado busca ser o frame intermediário de algo além do que está na imagem. Ao escolher a frase do escritor tcheco como título de sua exposição, Henrique busca evidenciar esses encontros levianos de imagens de diferentes fontes, mas que podem tomar um peso maior à medida em que se configuram em novas e velhas histórias.


Nos desenhos, o artista emprega lápis sobre papel e relata: uso uma variedade de lápis, desde os mais duros até os mais escuros, e os papéis são brancos, mas não totalmente alvos, eles têm esse aspecto natural e que se assemelha, inclusive, ao branco esmaecido dos papéis das fotografias antigas. Neles eu busco trabalhar o vazio, além de explorar espaços negativos e interrupções”.



nas pinturas, o que chama a atenção é uma camada de tinta azul que as finaliza. Além das referências à História da Arte, do lápis-lazúli e dos mantos das Virgens do Renascimento até o azul de Yves Klein podemos ver neste azul um arrematedo estranhamento, como se o Unheimliche, após vazar pelas frestas das paisagens e narrativas, se espalhasse pela superfície pictórica – “um véu transparente” – reiterando ao espectador: você está aí e eu estou aqui mas quem sabe não sejamos nós apenas frutos do diálogo entre a mão do artista e o olho do espectador, frutos talvez de um acaso, mais um entre tantos.


Para Yves Klein, "o azul não tem dimensões, ele 'é'”. A camada azul sobre as pinturas é como o narrador de Kundera, ao consolaro personagem Tomas asseverando que só o acaso tem voz, e que as circunstâncias fortuitas que o uniram a Tereza, bem, não são muito diversas do que a humanidade experimenta em grande parte dos acontecimentos. Talvez nós é que busquemos, o tempo todo, significados nas estrelas, deliberação divina ou a força do destino onde, enfim, só haja mesmo o acaso.



Jozias Benedicto
Maio/2024