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Prévia dos trabalhos selecionados no 1ª SALÃO DE ARTES VISUAIS GALERIA IBEU ONLINE

Conheça uma prévia dos trabalhos selecionados no 1ª SALÃO DE ARTES VISUAIS GALERIA IBEU ONLINE (clique nas imagens para ampliar):


































Resultado | 1ª Salão de Artes Visuais Galeria Ibeu Online

 

Em conformidade com o Edital do 1° Salão de Artes Visuais Galeria Ibeu Online, a Comissão Cultural do Ibeu comunica ao público o resultado deste processo de seleção.⁣


Com início em 14 de dezembro de 2020, o Salão será realizado em ambiente online, nas plataformas de conteúdo da Galeria Ibeu - a saber, Instagram e Blog - e, posteriormente, publicado em um catálogo virtual em formato pdf.


Conheça o conjunto de artistas selecionados para integrar a programação online da Galeria Ibeu nos meses de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021:⁣


A partir de hoje, as postagens relativas ao Salão seguem o seguinte formato de publicação:⁣

📍 Devido ao recesso e feriados de fim de ano, os posts serão publicados diariamente, nas seguintes datas:⁣ de 14 a 18 de dezembro de 2020⁣, e de 4 de janeiro a 5 de fevereiro de 2021.⁣ Não realizaremos postagens nos fins de semana. ⁣

📍 O conteúdo de cada artista selecionado será publicado em uma postagem contendo: álbum de fotos/carrossel (no caso do Instagram), bio/currículo e demais textos e informações que a Comissão Cultural do Ibeu considerar pertinentes.⁣

📍 O conteúdo de cada artista será publicado uma única vez, seguindo a ordem alfabética publicada em nossa lista de selecionados. Caso a Comissão Cultural do Ibeu considere novos formatos de publicação ao longo do Salão, informaremos a alteração e/ou adição em nossas redes sociais.⁣
Nossa equipe entrará em contato com os selecionados para mais informações acerca deste Salão.⁣ Agradecemos a leitura e a visita de todos!⁣

Atenciosamente,⁣
Comissão Cultural, Curadoria e Equipe Ibeu ⁣


1ª edição do Salão de Artes Visuais Galeria Ibeu Online



1ª edição do Salão de Artes Visuais Galeria Ibeu Online tem como objetivo divulgar a produção de artistas brasileiros realizada em 2020, em meio às medidas de prevenção ao contágio pelo novo Coronavírus. 

O Salão abrirá o calendário de exposições da Galeria Ibeu em ambiente totalmente online, sendo realizado nas seguintes plataformas: Instagram (@galeriaibeu) e Blog da Galeria Ibeu (ibeugaleria.blogspot.com).


Da realização do Salão e dos prazos de inscrição:

a) O Salão acontecerá unicamente em ambiente online. Os artistas selecionados terão suas obras apresentadas nas seguintes plataformas:
- Instagram da Galeria de Arte Ibeu (@galeriaibeu)
- Blog da Galeria de Arte Ibeu
- Catálogo virtual (em formato pdf)

b) A inscrição é gratuita e deverá ser feita exclusivamente por meio de email: galeriaibeu2020@gmail.com

c) O edital completo está disponível no blog do Ibeu: ibeugaleria.blogspot.com

d) Prazo de inscrição: de 15 de outubro a 2 de novembro de 2020. 


Da inscrição:

a) Para se inscrever no 1º Salão Online de Artes Visuais da Galeria Ibeu, o artista deverá enviar por email até 5 (cinco) registros fotográficos de obras produzidas em 2020 durante o período da quarentena. Serão aceitos trabalhos em todos os formatos e suportes (desenho, pintura, escultura, objeto, performance, instalação etc), desde que o artista consiga apresentar sua obra através do registro fotográfico.

a.1) Alguns exemplos: um artista que tenha um trabalho instalativo pode enviar até 5 (cinco) imagens contendo vistas e detalhes de sua instalação; já um artista que pretende apresentar um políptico em tela/papel/objetos, pode enviar até 5 (cinco) imagens contendo vistas do trabalho já organizado na parede/no espaço, ou então detalhes das unidades que preferir.

a.2) Caso prefira, o artista poderá enviar 5 (cinco) imagens de trabalhos diferentes. Ou seja: o artista envia cinco imagens, uma para cada trabalho seu, totalizando cinco obras diferentes ao todo (cinco registros de pinturas, ou cinco registros de desenhos, ou registros de cinco objetos/esculturas etc).

b) As 5 (cinco) imagens inscritas deverão ser devidamente identificadas, contendo o nome da(o) artista, título da obra (se houver), data, dimensões, especificações técnicas (material utilizado e técnica) e os devidos créditos fotográficos. Estas informações podem ser enviadas em arquivo Word ou no corpo do email. Não é necessário salvar a Ficha de Inscrição em um arquivo Word; basta adicionar as informações solicitadas no corpo do email.

c) Serão aceitas imagens de obras unicamente em formato jpeg ou png. Lembrando que, como toda a exposição será realizada em ambiente online, os arquivos de imagem deverão ser salvos em formato de exibição RGB, e não CMYK.

d) No caso de inscrições de videoarte, registros de performance ou arte sonora, o artista deverá postar o trabalho em sites de exibição de vídeos, como Vimeo ou YouTube. Caso aprovado, o arquivo em vídeo salvo no Vimeo/Youtube deverá estar em modo público para que consigamos repostá-lo em nosso Blog. Caso a Comissão Cultural do Ibeu também selecione estes trabalhos para exibição no feed do Instagram da Galeria Ibeu, os arquivos deverão ser salvos em formato mp4. e com duração de até 1 minuto. Não postaremos vídeos no IgTV, apenas no feed.

e) Caberá unicamente à Comissão Cultural do Ibeu decidir quantas e quais obras inscritas serão selecionadas para o Salão.

f) Para este formato de Salão Online, não será necessário o envio de portfolio. Ou seja: o artista deverá enviar apenas o conjunto de até 5 (cinco) imagens de seus trabalhos produzidos em 2020. Também é necessário adicionar às cinco imagens o seguinte material: ficha de inscrição (disponível no blog do Ibeu: http://ibeugaleria.blogspot.com), um currículo resumido, um pequeno texto sobre as obras inscritas. 

g) Importante: Ao concordar com a participação no 1º Salão Online de Artes Visuais da Galeria Ibeu, os artistas selecionados comprometem-se a manter o ineditismo das obras inscritas e selecionadas neste Salão, de modo que as mesmas não sejam expostas em outros sites ou exposições durante o período da exposição virtual do Ibeu. O compartilhamento das obras selecionadas no Salão poderá ser feito através de reposts a partir das redes sociais do Ibeu (Instagram e Blog).



FICHA DE INSCRIÇÃO:

Nome do artista:

Email:

Telefone:

Instagram (se houver):

Título e descrição das obras inscritas:



Como sobreviver a um naufrágio – Referências e Literaturas | Post 3



Hipupiara (V. I.) (~). I – Hipupiaras, assim como os botos e as Mães D’água, são mitos indígenas ligados à imaginária aquosa, eles existem desde antes da chegada dos portugueses e Jesuítas ao Brasil. Estes seres raros representam o perigo daquilo que habita as águas e eram para os índios monstros antropofágicos.


II – Padre José de Anchieta, apóstolo, pregador, etnógrafo e cronista, prestou um grande trabalho documental junto com seu irmão de hábito, Padre Manoel da Nóbrega, desde sua chegada ao Brasil em 1553, de onde nunca mais saiu. Entre suas cartas e coletas de relatos, ele narra parte deste conto aquático antigo dos indígenas: “Há também nos rios outros fantasmas, a quem chamam IGPUPIARA, isto é, que moram n’água, que matam do mesmo aos índios. Não longe de nós há um rio habitado por cristãos e que os índios atravessavam outrora em pequenas canoas, que fazem de um só tronco ou de cortiça, onde eram muito afogados por eles.” Padre José de Ancheita. (CASCUDO, Câmara. Antologia do Folclore Brasileiro. p. 25.)


III – Ao longo das influencias europeias, os Hipupiaras foram sendo conhecidos como a Iara, sofrendo uma deformação visual a partir do sincretismo com a sereia europeia: moça branca e loira, corpo metade peixe, jovem bela e sedutora, cantando sobre as margens das praias e lagos. Aqui, percebemos como a imaginária é plástica, transmuta-se, abrigando sobre o mesmo sintoma mítico da água, roupagens diferentes para a lenda se escamar e escamar nossa imaginação em um inventário formal de formas imaginantes.


IV – Mário de Andrade, em sua célebre obra literária, “Macunaíma” apresenta esse ser, o Hipupiara, diluído em vários trechos da narrativa, onde o herói brasileiro, Macunaíma, teme se aventurar nas águas com medo de seus perigos. Na passagem final de sua aventura, Macunaíma é seduzido por uma bela moça traiçoeira do lagoão, e assim Mário de Andrade nos escreve: 

“E a Uiara vinha chegando outra vez com muitas danças. Que boniteza que ela era!... Morena e coradinha que nem a cara do dia e feito o dia que vive cercado de noite, ela enrolava a cara nos cabelos curtos negros negros como as asas da graúna. Tinha no perfil duro um narizinho tão mimoso que nem servia pra respirar. Porém como ela só se mostrava de frente e afastava sem virar Macunaíma não via o buraco no cangote por onde a pérfida respirava (Guelras). E o herói indeciso, vai-não-vai. Sol teve raiva. Pegou num rabo-de-tatu de calorão e guascou o lombo do herói. A dona ali, diz que abrindo os braços mostrando a graça fechando os olhos molenga. Macunaíma sentiu fogo no espinhaço, estremeceu, fez pontaria, se jogou feito em cima dela, juque! Vei chorou de vitória. As lágrimas caíram na lagoa num chuveiro de ouro e de ouro. Era o pino do dia.

Quando Macunaíma voltou na praia se percebia que brigara muito lá no fundo. Ficou de bruços um tempão com a vida dependurada nos respiros fatigados. Estava sangrando com mordidas pelo corpo todo, sem perna direita, sem os dedões sem os cocos-da-Baía, sem orelhas sem nariz sem nenhum dos seus tesouros.” Macunaíma – Mário de Andrade. P. 124.


V – Como um ser mítico sem imagem definida, criatura que se esconde dentro das nascentes, que nasce com a água e vive nela, os Hipupiaras são o não-ver que operam o ver, a presença monstruosa que atiça a imaginação, que remodela as formas do (in)visível aquoso, e mesmo sobre o cruzamento da miscigenação, a lenda carrega a força líquida da água, do assombramento que os olhos d’água dão a ver quando se revelam – quando dão de comer a nossa imaginação sedenta, quando se ocultam, quando nossa imaginação se torna devorada pelo poder imaginante do mito, atualizando-o.


VI – O não-ver dos Hipupiaras é tão agudo quanto não escutar o canto das sereias que Franz Kafka nos apresenta em seu texto: “O silencio das sereias”, publicado em 1984, na folha de São Paulo. No presente texto, Kafka nos relata a manobra de Ulisses ao colocar cera nos ouvidos e se acorrentar ao mastro do navio, para evitar a sedução desses belos monstros. Com o barco se aproximando dos rochedos onde esses seres mitológicos ficavam, Kafka nos descreve o silêncio adotado pelas sereias como algo inescapável, e enquanto o barco passava próximo a elas, seu silencio desenhava na cabeça de Ulisses um canto que só ele escutava por acreditar escutar, por ver elas cantando sem, no entanto, elas cantarem. E assim Kafka nos fala:

“E de fato, quando Ulisses chegou, as poderosas cantoras não cantaram, seja porque julgavam que só o silêncio poderia conseguir alguma coisa desse adversário, seja porque o ar de felicidade no rosto de Ulisses - que não pensava em outra coisa a não ser em cera e correntes - as fez esquecer de todo e qualquer canto.

Ulisses no entanto - se é que se pode exprimir assim - não ouviu o seu silêncio, acreditou que elas cantavam e que só ele estava protegido contra o perigo de escutá-las. Por um instante, viu os movimentos dos pescoços, a respiração funda, os olhos cheios de lágrimas, as bocas semi-abertas, mas achou que tudo isso estava relacionado com as árias que soavam inaudíveis em torno dele. Logo, porém, tudo deslizou do seu olhar dirigido para a distância, as sereias literalmente desapareceram diante da sua determinação, e quando ele estava no ponto mais próximo delas, já não as levava em conta.” KAFKA, Franz.


VII – Entre o não-cantar e o não-ver, há o ouvir o canto silencioso da forma e o olhar ruidoso do invisível como um ato de fé e de crença, o ver mitológico se funde com as formas mesmas de se ver os mitos, com a ânsia de buscar criar imagens para o invisível, e, como no canto das sereias, ou no mistério submerso dos Hipupiaras, o olho se torna um órgão assombrado e metamorfo - um dispositivo trans-ocular que escuta e vê os ruídos do impossível amplificando-os nas imagens que pode vir a criar.


VIII – Querer ver os Hipupiaras é desejar perder a água dos próprios olhos. É ver os poços do olhar se tornarem vermelhos de sangue, como a poça onde Macunaíma se transformou em lenda. Ver os Hipupiaras é desenhar o silencio imortal que as sereias riscam em nossos olhos – sob o traço do mito.






| "Como sobreviver a um naufrágio – Referências e Literaturas": série dedicada a postagens relacionadas à pesquisa do artista Márcio Diegues, contendo trechos e anexos de sua dissertação "Entre o mar e o vento: o desenho como membrana", apresentada no PPGAV-EBA-UFRJ em 2017. Todos os textos são de autoria de Márcio Diegues. Este conteúdo também está disponível no Instagram da Galeria Ibeu.

Como sobreviver a um naufrágio – Referências e Literaturas | Post 2




Dada a eminência, a fratura e o colapso de toda superestrutura, naufragamos!

Pensar nas experiências de naufrágio é ir além da representação desse acidente náutico, e olhar devidamente para os processos de arruinamento que acometem todo corpo, toda causa e todo objetivo; e que dadas as circunstâncias da travessia, da errância e da deriva, acaba por afundar, real ou metaforicamente, em si mesmo.

O arruinamento atravessa todos os objetos e imagens que compõem essa exposição, prenunciando no conjunto de trabalhos um naufrágio eminente e ostensivo da visão. O arruinamento do tempo sobre os corpos, processos e materiais, nada mais nos alerta, do que para as ruínas de nosso tempo, que acontecem no agora, diante de nossos olhos.

Os objetos encracados manualmente, os desenhos de observação do mar sobre os cadernos, as catalogações imaginárias dos seres marítimos, os processos de corrosão da gravura em metal - todos estes procedimentos partilham de uma intenção mimética em falência, que camufla e revela ao mesmo tempo, o afundamento que as imagens detonam em nossa própria imaginação.

Em um sentido mais profundo daquilo que o naufrágio pode representar, está o despertar de uma consciência crítica sobre o mundo em crise a nossa volta, onde uma atitude em caráter de urgência precisa ser tomada, pois tudo ao redor começa a afundar lentamente e desaparecer do campo visual, sem deixar vestígios na superfície dessa realidade líquida.

Recolher naufrágios é uma forma falida de falar do mar avassalador, de falar sobre forças incomensuráveis que sublimam toda travessia. É necessário assumir tanto nas imagens, como em certas situações da vida, que o afundamento é inevitável. 

Coletar naufrágios é colecionar e expor traumas onde as imagens assumem um poder mordente de corroer o visível e afundar a realidade. Frente à arrebentação das margens do real nas linhas da vida, frente ao inesperado afundamento cotidiano – como sobreviver a um naufrágio?



Márcio Diegues, Rio de Janeiro, 03/05/2020





| "Como sobreviver a um naufrágio – Referências e Literaturas": série dedicada a postagens relacionadas à pesquisa do artista Márcio Diegues, contendo trechos e anexos de sua dissertação "Entre o mar e o vento: o desenho como membrana", apresentada no PPGAV-EBA-UFRJ em 2017. Todos os textos são de autoria de Márcio Diegues.  Este conteúdo também está disponível no Instagram da Galeria Ibeu. | 


Como sobreviver a um naufrágio – Referências e Literaturas | Post 1




Colecionar naufrágios:

1 – Gravar um naufrágio é retomar pela gravação, pela ação de corrosão do metal através do ácido, o processo de arruinamento do visível. Fazer gravura é fazer ruína.

2 – Na gravura as imagens dos naufrágios ardem sobre a matriz, ecoam nas impressões e no próprio espelhamento reverso da estampagem de seu afundamento.

3 – O afundamento é inevitável. A cegueira é inevitável no processo de imersão. A superfície nos engana sobre a real profundidade da imagem gravada em nosso olho, falindo o olhar durante toda tentativa de aprendê-la, de capturá-la na ferrugem de seu apagamento.

4 – Gravar um naufrágio é se tornar o mar invisível que corrói as imagens de nossa imaginação.






| "Como sobreviver a um naufrágio – Referências e Literaturas": série dedicada a postagens relacionadas à pesquisa do artista Márcio Diegues, contendo trechos e anexos de sua dissertação "Entre o mar e o vento: o desenho como membrana", apresentada no PPGAV-EBA-UFRJ em 2017. Todos os textos são de autoria de Márcio Diegues. Este conteúdo também está disponível no Instagram da Galeria Ibeu. | 

Poesia e Arte em casa - 8 | António Carlos Cortez & Márcio Diegues



nada sabíamos de estilhaços no coração dos dias.
havia um perfil materno nas estradas
e os nossos corpos eram conduzidos ao centro do silêncio
porque nessa parte baixa da cidade o mar era infectado
e as primeiras chuvas traziam vozes de fantasmas
como uma última edição de um romance gótico.
guardei de ti o sangue quente o sangue fértil
de verões passados à beira de um mar de areia
palavras como barco floresta viagem
eram signos ignorados. Os dias infinitos
talvez tivessem passado e mais valia agora
aproveitar o bilhete de comboio em direção
ao próximo apeadeiro: a neblina


*


porque existe este ritmo de luzes
no barco nas margens do poema
porque as palavras procuram lugares secretos
palavras como barcos

navegando p’ra lugar nenhum
por entre ritmos e memórias
lembranças de viagens e regressos
Relembras a primeira viagem que te trouxe
ao lugar da doença

território neutro guindastes
barcos abandonados na cidade
era tempo ainda de voltar


*


nothing is more exactly terrible than
to be alone in the house, with somebody and
with something)
you are gone.


e.e. cummings


e era no mar alto que deixavas as mãos
percorrendo o doce palpitar das raízes.
num tempo anterior a nós
havia palavras para escrever barcos no rio como livros
de memórias sem mácula
era bom receber os dedos intactos
como frutos próximos da estação.
as terríveis noites do sul recebiam-nos
como só algumas cidades sabem receber
quem se ama muito




António Carlos Cortez
(in "O tempo exacto - antologia pessoal", Editora Jaguatirica, 2015)

Fotografia de Márcio Diegues





| "Poesia e Arte em casa" é resultado de uma ação realizada pela Galeria de Arte Ibeu em sua página no Instagram. Esta série de postagens tem como objetivo aproximar a obra do artista Márcio Diegues à produção poética de diversos autores que se relacionam com a temática do naufrágio e do isolamento. |

Poesia e Arte em casa - 7 | Wislawa Szymborska & Márcio Diegues



Gente na ponte

Estranho planeta e nele estranha gente.
Cedem ao tempo e não o querem reconhecer.
Têm maneiras de mostrar como se opõem.
Fazem desenhos como o que se segue:

Nada de especial à primeira vista.
Vê-se a água.
Vê-se uma de suas margens.
Uma canoa que com dificuldade avança na corrente.
Sobre a água uma ponte e gente nessa ponte.
Gente que nitidamente acelera o passo
porque de uma nuvem negra
a chuva desatou forte a fustigar.

O que há nisto de especial é que isto é tudo.
A nuvem não muda de forma nem de cor.
A chuva não cai mais forte nem se interrompe.
A canoa navega imobilizada.
Essa gente na ponte vai correndo
no exacto lugar de há um bocado.

É difícil deixar de comentar:
Não é de modo algum um desenho inocente.
Aqui o tempo foi suspenso.
Deixaram de contar com os seus direitos.
Privaram-no de influência sobre os acontecimentos.
Menosprezam-no e insultaram-no.

Por conta de um rebelde,
um tal de Hiroshige Utagawy
(ser este que de resto
já há muito e como devia ser se foi)
o tempo tropeçou e caiu.

Talvez se trate só de uma partida insignificante,
um cisco apenas à escala das galáxias,
pelo sim, contudo, e pelo não
acrescentemos o que segue:

Revela-se aqui ser de bom-tom
apreciar devidamente este desenho,
fascinar-se a gente com ele e comover-se há gerações.

Há aqueles para os quais nem isto basta.
Chegam até a ouvir a chuva murmurar,
sentem-lhe o frio nas costas e pescoços,
olham a gente e a ponte
como se também se vissem nela,
no mesmo correr para o que nunca é mais que isso,
uma estrada sem fim, a vencer pelos séculos,
e crêem na sua desfaçatez
que é isso na realidade o que acontece.



 Wislawa Szymborska (Paisagem com Grão de Areia, Lisboa: Relógio d’água, 1996)

Foto: Sobre a invenção do céu, de Márcio Diegues



| "Poesia e Arte em casa" é resultado de uma ação realizada pela Galeria de Arte Ibeu em sua página no Instagram. Esta série de postagens tem como objetivo aproximar a obra do artista Márcio Diegues à produção poética de diversos autores que se relacionam com a temática do naufrágio e do isolamento. | 

Poesia e Arte em casa - 6 | Jonatas Tosta Barbosa & Márcio Diegues



Sedimentos

O fragmento da nau, os pedaços desfiados como linha de estampa, as farpas de madeira perfurando a espuma. Nunca soube se espumas eram de fato macias até o dia que decidi atravessar o oceano. Após o vento mutilar as velas, prossegui o que restava a nado. Meus braços eram remos, meus pulmões cheios de palavras, flutuavam, apenas um olho por farol. O destroço da velha estante, as folhas do caderno de rascunho e um livro sobre a origem dos fósseis, nada pude salvar, tudo satisfez a sombra negra que engolia o céu de abril. Embora, agora saiba, por íntimo, o sabor do mar.



Quatro considerações

I
Não posso considerar nada a respeito de um mês sem ter vivido seus dias, ou mesmo ditar notas a respeito do sabor de um lábio sem ao menos o ter imaginado passear pela boca. 

II
Jamais saberei se este refúgio se trata apenas de mim e não de ti, ou dos nós nos fios de cabelo que acordam unidos em coro à meia-noite.

III

As tramas desejam ser ouvidas, enquanto ainda podemos ouvir um ao outro respirar.

IV
O rumor das janelas vara a noite. Haveremos de saber se são asas anunciando os Elíseos, ou se abrindo aos porões dos infernos?



Jonatas Tosta Barbosa é carioca, professor e escritor. Escreveu uma série de crônicas, artigos e contos para os blogs Papel Papel e Nerdgeek Feelings. Também publicou contos pelas editoras Buriti e Avec. Atualmente redige e publica suas histórias na revista Poligrafia. O texto da postagem faz parte do livro "Anatomia de Julho", publicado de forma independente (https://anatomiadejulho.blogspot.com/).


Foto: Coleta celeste, de Márcio Diegues (2020)




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Poesia e Arte em casa - 5 | Filippi Nuk´h & Márcio Diegues



Fremer passado:

Aquela parede canta. Na primeira vez que a assisti foi nos idos dos 90. Tinha o aspecto de um beco sem saída. Um exaustor industrial parecia compor o miolo daquilo tudo. Poderia ser uma usina. Poderia ser um depósito. Tudo devidamente pavimentado e enxugado. Árvore ali, só se fosse espremida, como aquela amendoeira a mostrar galhos de folhas amarelas e ressequidas. À sombra dos muros, sempre à sombra dos muros. Era a forma que a natureza encontrava para continuar respirando à dura pena.

Naquela época costumava usar o espaço gigante do estacionamento para soltar pipa com meu pai, aproveitando que aos domingos não havia carro algum por ali. Quer dizer, talvez existisse um ou outro, mas nada que impedisse de bater as sandálias sobre aquele solo comprimido. "Supermercado Três Poderes", era o que lia quando erguia a cabeça para cima. Encostado ao nome, gravetos indicavam as silhuetas de um boneco, com uma  cabeça que imitava o globo terrestre. O charme dos pés cruzados era o que mais gostava. Pode-se dizer que havia uma certa ironia naquele charme...

Mas o fato é que aquela parede lá dos fundos cantava! E era agridoce o seu canto, não pela parede em si, mas por compor aquele emaranhado único de resquícios que davam saudade. À frente, uma pequena ponte de concreto conectava aquele espaço a uma região residencial. Sim, pois há um córrego onde o esgoto é despejado logo ali, onde tantas vezes me dispersei nas ondas frívolas...

Uma pintada grade de ferro bloqueia a passagem quando o mercado está fechado. Desnecessária, pois na falta daquela pontezinha, basta caminhar dez minutos a mais para se chegar ao mesmo lugar. Sabe-se lá o quanto as ruas sem saída servem a um morador antigo....

Vinte anos depois, as cores retomavam àquela parede. Trazem as cores da grade de ferro e nenhuma amendoeira. Finalmente a apagaram com o mata-borrão. Dormirá sobre o solo oco até o dia em que, por si só e esquecida, redescobrirá o caminho da luz, num novo canto redobrado pelo farfalhar. 


Filippi Nuk´h é terapeuta, educador e escritor.


Foto: Ateliê do artista Márcio Diegues (2020)




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Poesia e Arte em casa - 4 | Jozias Benedicto e Márcio Diegues




Haicais para a partida de um navio


Perfurando as ondas
do mar revolto em tormenta
mansa gaivota.

As ondas, o vento
as nuvens prenhas de chuva
lágrimas e beijos

O tempo não para
O navio não espera
O amor resiste?

Lenços tremulando
Os que ficam e os que vão
doloroso adeus

Agora, distante
o navio enfrenta o mar
não se vê mais terra

Triste despedida
estamos em pleno mar
o cais se findou.

Impossível volta
À frente só nos espera
um doce naufrágio.



Jozias Benedicto - O poema inédito aqui apresentado faz parte de seu livro "A ópera náufraga", que será lançado pela Urutau em 2020, com prefácio de César Kiraly.


Foto: Ateliê do artista Márcio Diegues



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Poesia e Arte em casa - 3 | Sophia de Mello Breyner Andresen e Márcio Diegues




Mar sonoro

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.


(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Dia do mar", 1974)




Sugestão de poema enviada pelo artista Manoel Novello
Foto: ateliê do artista Márcio Diegues⁣





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Poesia e Arte em casa - 2 | Eucanaã Ferraz e Márcio Diegues




Beira mar

Não é o afogado. Posso ver que não é o afogado.
Posso ver pelos seus braços, vivos, seus olhos,
cristalinos; o modo como suas mãos se movem,
vivas, posso ver, não é o afogado. Esteve no mar
e voltou vivo. Havia areia, cansaço, alegria na sua pele;
não lembro de algas entre seus cabelos mas lembro
de seus cabelos, flutuavam; e nítido era o barulho
das ondas nos seus olhos, vivos, cristalinos.
Não é o afogado. O modo como saiu da água, reto,
as pernas perfeitamente pernas de homem
que foi ao mar e voltou e se deixou secar ao sol.
Espanto-me de alegria por ele não ser o afogado.
Todo o meu terror se enche de alegria. Não penso.
Encho-me de gratidão. As nuvens ardem por dentro
e a tarde se dobra na direção das falésias.
Não é o afogado. Mas é de tal modo delicado
que ele esteja vivo que receio tocar seu rosto.
Está aqui, entre os barcos que voltaram,
entre as coisas que existem: coqueiro, vento, flauta.
Esteve no mar. Os braços abriam a água e a água
se fechava; os braços insistiam e outra vez a água
reunia suas águas; braços, espuma, pernas, lutavam
ou dançavam; então ele ergueu a cabeça para fora
e respirou. Não é o afogado. Digo o nome Deus
por ele respirar. Digo o nome Deus por cada vez
que ele respire. Maravilhosamente, espantosamente
está vivo. Esteve no mar. Eu vi. Mas voltou vivo.
Toquei seu rosto, vivo e cristalino.


(Eucanaã Ferraz in "Escuta", 2015)




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Poesia e Arte em casa - 1 | Paul Celan & Márcio Diegues




DE PÉ, na sombra⁣
da chaga aberta ao ar.⁣

Por-nada-e-ninguém-De-pé.⁣
Irreconhecido,⁣
por ti,⁣
só.⁣

Com tudo que aqui tem espaço,⁣
mesmo sem⁣
língua.⁣


Paul Celan




Foto: Gravura do artista Márcio Diegues



| "Poesia e Arte em casa" é resultado de uma ação realizada pela Galeria de Arte Ibeu em sua página no Instagram. Esta série de postagens tem como objetivo aproximar a obra do artista Márcio Diegues à produção poética de diversos autores que se relacionam com a temática do naufrágio e do isolamento. | 

Como sobreviver a um naufrágio | Texto de Cesar Kiraly para individual de Márcio Diegues


1. A surpresa foi percebê-la cada vez menos minha, como se a canção de amor, em seus versos de quase desespero, dissesse respeito, sobretudo, a mim. Há pouco havia me comunicado com ele, sem sabê-lo um possível rival. Hesitante me perguntava se havia problema em se desviar do plano inicial. Ingênuo, respondi que não deveria inibir as suas intuições, elas é que me seriam preciosas. Não é que não me desse conta da intimidade necessária para que houvesse a condição de se ter intuições. Eu queria. Ao conhecê-lo, estavam juntos, diariamente, há quase uma semana. Acredito que tenham sido as tardes que passaram juntos. Era-me impossível ter estado antes, para mediar a aproximação desde o início, no que havia me escrito o quão importante estavam sendo aqueles momentos a sós. Ao encontrá-los, ele estava agachado, inclinado sobre ela, isolado do mundo com os seus fones de ouvido. A minha reação, intimidado, foi não querer interromper, evitar a inconveniência, aquilo que acontecia. Em seguida me ocorreu que ele parecia a conhecer melhor, por isso a impressão de que não estávamos mais tão próximos, tão exclusivamente simbióticos, como há algumas semanas atrás. Por mais humilhante que fosse, ocorriam-me passagens do Pequeno Príncipe, para imaginar a possibilidade dela ser mais dele do que minha, muito embora a mesma, por ter sido, trevas, mais cativado do que eu.

2. Não é bem como a relação entre o mar e o casco do navio, é mais como a do tatuador com a pele do outro, com a diferença de que partia de mim, a princípio, o desejo de que os dois estivessem juntos. A sua superfície estava tomada de pontinhos e traços, nas laterais, estavam mais numerosos, noutras, se mostravam concentrados, passando a atmosfera de uma nuvem mais escura. Seria um clichê dizer que estava irreconhecível, até porque a mais expressiva de suas características, a alvura, estava ali, celebrada. Sim, esta era sua marca. Acrescidos os riscos em nanquim se tornara mais albina do que nunca. Aquela superfície quase nunca tocada pelo sol, constantemente retocada para não ter falhas, nunca tinha sido tão notívaga, tão branca, como depois daqueles encontros. Ela, que pela cor, vira o mar senão de noite, passava então a ser o mar. Márcio lhe acrescentava dobras e quinas, além de a convencer de que mar, onda, era o que tinha sempre sido. Não poderia competir com quem a convencia tão habilmente. O que mais poderia temer?


3. O efeito da persuasão é que ela teve despertada a sua vontade secreta de inundação. A vociferância tinha sido tão bem compreendida, que não ousava, simplesmente, se irradiar de dentro para fora, continuava algo que começava do lado de fora, para se aprofundar dentro. Márcio não só a despertara para ser onda, num esforço de descoberta de identidade, como a surpreendia com a inelutável verdade, de que ser alagamento, onda, mar bravio, seria também não ser, só, e ao mesmo tempo, si mesma, num acidente de perda de personalidade. O mais de si mesma seria se descobrir outra, um Oceano. Apenas assim é que poderia levar à deriva. Se Márcio a acordava à capacidade de fazer submergir, ora, eu mesmo naufragava ao perdê-la. Afinal, não se é possível ter o que é infinitamente mais extenso e agitado. Se não podia mais ser representada, senão pelas suas partes, acidentais, então não mais cabia em lugar nenhum.

4. O relacionamento por Márcio estabelecido, o vínculo de intimidade que o fez, nela, acordar a capacidade de inundação, que a despertou de si própria e de mim, o negativo, nanquim, libertador da positividade, pura, mar, colocou-me, e a tudo mais, em estado de naufrágio. O desamparo é o naufrágio. Como tantos outros náufragos, desamparados, demandei, impetuoso, o que havia nele, que não em mim. Ambos carregávamos, para cima e para baixo, canetas nanquim. Se tinha uma, talvez duas, ele trazia consigo dezenas delas, não só finas, mas de quase todos os tamanhos de ponta. Se tínhamos cadernos, o meu abrigava não mais do que rabiscos ilegíveis, e o dele, maior e solene, comportava diversos formatos de caudas de peixes, uma plêiade de cavalos-marinho, mesmo aquele que remete um pouco a uma planta, traços cartográficos, abissalidades, embarcações, coladas à página, afundadas no vazio, toda sorte de vazio, o duplo do infindo oceano, que agora estava inscrito em seu corpo, mais a aura de conter as memórias de um náufrago vasculhador de analogias. Nisso havia o ponto que pode ter servido à derradeira aproximação, aquilo que tínhamos em comum, mas o perdimento se devia ao fato de que, comparado a ele, como recém afundado, eu não tinha nada. A albina se permitira libertar, enquanto oceano, pelo efeito sedutor da revisitação à deriva.


5. O naufrágio é causado por um furo? Aquele pelo qual a água entra para desfazer, um tanto, a diferença entre o dentro e o fora da embarcação? Não, não, o naufrágio começa na rememoração do acidente. É por isso que não há um náufrago completo, só parcialmente naufragados, e vestígios de naufrágios. Isso porque o verdadeiro afundado é o afogado, este, por razões óbvias, vazio de desemparo. No fim, o que distingue os sobreviventes é o tempo empregado na coleção de vínculos entre os artefatos e a memória. Eu suplicaria à brancura que percebesse que, na verdade, todos inventávamos uma boa parte de nossos naufrágios, ainda que não o fizéssemos como quiséssemos. Ela já não me escutava, tão somente oscilava e começava a emanar uma densa nuvem de sal. Um efeito ferruginoso sobre todas essas imagens que seriam arranhadas em placas de metal, no confuso procedimento de revisitar o evento, aquele, em que, por pouco, quase se afogaram, refazendo-o pelo preenchimento dos espaços vazios e seus aliados. O movimento das ondas se manifestavam como uma alma, um temperamento, marés, inaugurando as janelas de onde se avistavam, como gravuras, embarcações outrora flutuantes. Ela passava a entender que sempre fora a profundidade. A brancura, o albinismo, não, não só isso, mas a ação de sofrimento sobre todos aqueles cascos de navio, ainda um pouco suspensos, parcialmente flutuantes, esperando para desaparecer.   

6. Não era mais minha. No máximo podia crer que a graça das minhas lembranças, dos naufrágios aos quais sobrevivera, derivaria do efeito que havia deixado, as imagens que, soberanamente, resolvera poupar. Márcio o sabia há mais tempo, tão somente a seduzindo a deixar de ser transitiva, para exercer a sua vocação intransitiva, deixando de ser parede, para ser disponibilidade, mar. Esta libertação tornava sem sentido as minhas perguntas sobre por que ele e não eu. Porque partiu dele o estado de nem ele e nem eu. Não era mais possível tê-la.  Se podia, apenas, percebê-la, aumentando, concedendo, que do naufrágio, então, restassem suvenires aos necessitados, àqueles sem a sorte de um completo afogamento. Indicações sobre como sobreviver um pouco mais.


7. O mais da pilastra desbotada seriam suas marcas e as conchas, os mariscos, a corrosão; o mesmo para as embarcações, os cabelos anelados pela umidade, as fotografias e as notas para ajudar na lembrança. A especialidade disso tudo restaria vinculada ao fato de que nada sobrevive para sempre a um naufrágio. Nem mesmo a adorável última fotografia, tantas vezes encontrada e perdida, da criança tão bem vestida de marinheiro. 


Cesar Kiraly é professor de Estética e Teoria Política à UFF. Desde 2015 é Curador da Galeria IBEU. Autor, dentre outros, de Fuga sobre o Branco [ ].