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E toda umidade que há no meio | Texto crítico de Ivair Reinaldim para Daniela Seixas

Daniela Seixas / E toda umidade que há no meio

A paisagem não está fora; ela nos atravessa e se constitui a partir de nossa experiência: eis como podemos apreender a exposição de Daniela Seixas. É através da linguagem, no sentido estendido e corporificado das palavras, que a artista reúne um conjunto de proposições capaz de fornecer um panorama insólito e fragmentado do mundo: uma atmosfera rarefeita; porém, na eminência de sua condensação. São projetos que se realizam enquanto possibilidades de encontro poético entre aquilo que a artista materializa por meio de objetos, desenhos, vídeos e ações e a disposição subjetiva do espectador para atribuir significados a sua experiência imediata. Encontros que reforçam o momento pelo qual essas vivências podem dar sentido ao existir.

Há alguma fragilidade nessas proposições: são frágeis pelo fato de se constituírem, em sua maior parte, por gestos e associações simples, por aproximações aparentemente ocasionais. Mas ao mesmo tempo evidenciam estar alicerçadas tanto na justeza conceitual/poética da artista, na disponibilidade para com a ação que se propõe a realizar/registrar, quanto na capacidade imaginativa do público, em sua dimensão sensível para com o trabalho de arte. São inclinações que se vinculam no momento em que a obra ‘acontece’, por meio de experiências subjetivas – da artista e do público – suscetíveis de serem compartilhadas. Talvez também resida aí o ponto de contato entre os trabalhos expostos: a necessidade de constituição de um terreno comum, transformando qualquer isolamento inicial em lugar (res)significado.

‘E toda umidade que há no meio’ constitui-se como um breve inventário. Mediante a constatação de que os fenômenos se sucedem, extinguissem-se e repetem-se, enfim, possuem uma duração, é possível elencá-los no que possuem de mais particular. Desse modo, ao referir-se a uma ‘discreta vigília’, Daniela Seixas reforça um estado de atenção, de espera sutil diante deste arranjo, reforçando a importância de certa temporalidade psicológica. Sobressai-se um inventário de gestos que marca a tentativa de apreensão das coisas, como se cada ato de aproximação e de constituição de um olhar compreendesse um momento de qualificação da experiência cotidiana do mundo.

Ivair Reinaldim, agosto 2012


Postigo para a noite | Postigo, carbono e papel | 32 x 22,5 cm (2012)

Terra Fabricada | Texto crítico de Ivair Reinaldim para Bianca Bernardo

Bianca Bernardo / Terra Fabricada

“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, Fernando Pessoa

A dimensão que envolve o projeto Terra Fabricada de Bianca Bernardo é aquela do confronto com as próprias origens. Mas toda origem é escolha deliberada – por necessidade, eleição afetiva ou desejo –, disposição que visa identificar um lugar, um estar no mundo. Por isso, há nesta exposição algo que extrapola a referência a um local específico, demarcando muito mais uma propensão, um estado de espírito, um querer. Trata-se de um processo com forte apelo ficcional: o filme documental homônimo, que a artista concebe entre Brasil e Portugal, é representação tanto quanto o conjunto de subjetivações que lhe serviu de suporte, uma colagem/montagem de fragmentos diversos, que agrega lembrança familiar, memória induzida e imaginação pessoal.

Ao recordar as histórias das terras distantes de Trás-os-Montes, de onde provieram sua mãe e avó, a artista desenvolveu uma percepção de sua existência que engloba o entendimento daquilo que sua família registrava com certa melancolia. Ocorre já nesse processo uma mediação entre a memória cristalizada do que havia sido a experiência daquele local, no momento em que o mesmo passava a fazer parte de um passado distante, e o modo como se dava a apreensão de um lugar imaginário, paradoxalmente próximo, para quem só o conhecia através dessas histórias. O filme narra uma viagem iniciática, um movimento contrário, não em direção às raízes, mas no sentido de um reatamento: visa reestabelecer uma identidade afetuosa constituída por diferentes camadas de tempo, fragmentadas e sobrepostas, e unidas por um propósito poético. Bianca Bernardo costura esses tempos, revisita o lugar imaginário da sua infância, confrontando-o com esse outro local, real, mas ao mesmo tempo depositário de lembranças daqueles que dali partiram.

A exposição, em sentido amplo, é registro da passagem do tempo, tempo que impregna todas as coisas com uma espessura densa. Na mão que percorre a superfície do papel, no vai-e-vem das ondas do mar, na impregnação das montanhas de sal, na cantiga melancólica da infância, no giro cíclico do desenrolar das histórias contadas e sentidas, todas essas narrativas se repetem, retornam à superfície e reforçam um constante desejo de ressignificar a experiência. Nesse processo, novos sentidos passam a ser somados àqueles que foram cuidadosamente preservados na memória, pois esse lugar, enquanto encontro de cruzamentos, só pode ser aquele que se constrói no próprio sujeito. As terras voltam a ser cultivadas.


Ivair Reinaldim, agosto 2012


 Still do filme Terra Fabricada (2012)

Bianca Bernardo e Daniela Seixas | Exposições individuais simultâneas na Galeria Ibeu

A Galeria de Arte IBEU inaugura no dia 21 de agosto, às 19h, duas individuais simultâneas das artistas Bianca Bernardo e Daniela Seixas, com curadoria de Ivair Reinaldim. As exposições ficarão abertas ao público de 22 de agosto a 14 de setembro, com visitação das 13h às 19h, de segunda a sexta-feira, na Av. N. Sra. de Copacabana, 690 | 2º andar. A entrada é franca.

Bianca Bernardo e Daniela Seixas foram premiadas pela Comissão Cultural do Ibeu pelos melhores trabalhos do Salão de Artes Visuais Novíssimos, realizado em 2011 - Bianca Bernardo pela obra “Silêncio” e Daniela Seixas pela obra “Do mar condensado nas cartas”. O prêmio é a exposição individual que as artistas inauguram no próximo dia 21.


BIANCA BERNARDO apresenta a individual “Terra Fabricada” composta por desenhos, objetos e o filme Terra Fabricada, realizado este ano entre Brasil e Portugal durante o período de residência artística no LARGO, em Lisboa.

“Terra Fabricada começou na minha infância, nas imagens que construí a partir das histórias e cantigas portuguesas que escutava da minha mãe e avó. Cresci com a estranha sensação de ter a própria terra como pátria estrangeira. Como forma-se um povo? Até onde vai o meu território? Por que as pessoas acreditavam que o mundo terminava na linha do horizonte? Sempre desejei fazer o caminho de volta, encontrar a minha aldeia do outro lado do oceano. A aldeia real seria parecida com aquela ficção criada pela minha imaginação? Quando pequena, perguntei uma vez à mãe o que era uma aldeia. Ela respondeu: uma aldeia é uma cidade muito pequena”, diz Bianca Bernardo.

Ivair Reinaldim, crítico de arte e membro da Comissão Cultural do Ibeu, diz no texto de apresentação da exposição de Bianca Bernardo: “A dimensão que envolve o projeto Terra Fabricada de Bianca Bernardo é aquela do confronto com as próprias origens. Mas toda origem é escolha deliberada – por necessidade, eleição afetiva ou desejo –, disposição que visa identificar um lugar, um estar no mundo. Por isso, há nesta exposição algo que extrapola a referência a um local específico, demarcando muito mais uma propensão, um estado de espírito, um querer. Trata-se de um processo com forte apelo ficcional: o filme documental homônimo, que a artista concebe entre Brasil e Portugal, é representação tanto quanto o conjunto de subjetivações que lhe serviu de suporte, uma colagem/montagem de fragmentos diversos, que reúne lembrança familiar, memória induzida e imaginação pessoal”

Bianca Bernardo nasceu e trabalha no Rio de Janeiro. É mãe do Bento, artista visual, mestre em Artes pelo PPGARTES-UERJ, artista-educadora do Núcleo Experimental de Educação e Arte do MAM-Rio. Entre as principais exposições e prêmios estão: Prêmio 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco (Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, Recife, 2012), Bienal SIART (Museu Tambo Quirquincho, La Paz, Bolívia, 2011), Prêmio Novíssimos (Galeria Ibeu, Rio de Janeiro, 2011), 12º Salão Nacional de Artes de Itajaí (Itajaí, Santa Catarina, 2010).


DANIELA SEIXAS apresenta sua segunda individual, intitulada “E toda umidade que há no meio”, composta por desenhos, objetos, vídeos e palavras. Nos trabalhos realizados pela artista em 2010-2011 e 2012 a artista parte do enfrentamento da experiência com o desenho, com as palavras e suas atmosferas. Seja no gesto incessante que expõe a proximidade entre o risco e o mar ou nas surpresas das trocas invisíveis e desenhos no mundo. A artista reúne os trabalhos sob aquilo que chama de uma “discreta vigília e tentativa”.

No texto de apresentação da exposição de Daniela Seixas, Ivair Reinaldim diz: “A paisagem não está fora; ela nos atravessa e se constitui a partir de nossa experiência: eis como podemos apreender a exposição de Daniela Seixas. É por meio da linguagem, no sentido estendido e corporificado das palavras, que a artista reúne um conjunto de proposições, capaz de fornecer um panorama insólito e fragmentado do mundo: uma atmosfera rarefeita; contudo, na eminência de sua condensação. São projetos que se realizam enquanto possibilidades de encontro poético entre aquilo que a artista materializa por meio de objetos, desenhos, vídeos e ações e a disposição subjetiva do espectador para atribuir significados a sua experiência imediata. Encontro que reforça o momento em que nossas vivências dão sentido à existência”.

Daniela Seixas nasceu e trabalha no Rio de Janeiro. Mestre em Artes Visuais pelo PPGARTES- UERJ, entre as principais exposições estão: A riscar (Paço das Artes, SP – 2011), Prêmio Novíssimos (Galeria Ibeu, RJ – 2011), Prêmio EDP nas Artes (Instituto Tomie Ohtake, SP – 2010), “entre-vistas” (Programa Aprofundamento do Parque Lage, RJ – 2010) e Tração (CCJF, RJ – 2010).

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